
Plutarco. Obras Morais: Sobre o afecto aos filhos, Sobre a Música. Trad. do grego, introdução e notas de C. Soares e R. Rocha. Coimbra: Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos, 2010.
Sobre a Música (excertos)
1136 b, c, 15.
15. Os antigos utilizavam-na, como também todas as outras atividades, de acordo com seu valor. Mas os músicos de hoje rejeitaram seus aspectos veneráveis e, no lugar daquela música viril, celeste e querida dos deuses, introduziram nos teatros uma outra, amolecida e sedutora. Por isso Platão, no terceiro livro da República mostra-se descontente com tal música. Ele rejeita a harmonia lídia porque ela e aguda e adequada ao treno e dizem que a primeira composição nesta harmonia foi trenódica. De fato, Aristóxeno, no primeiro livro Sobre a Música diz que Olimpo foi o primeiro a tocar no aulo uma canção fúnebre para Píton na harmonia lídia. Há outros que dizem que Melanípides foi o primeiro a usar esta melodia. Mas Píndaro, nos seus Peãs, diz que a harmonia lídia primeiramente foi ensinada nas bodas de Níobe. E outros dizem que Torebo foi o primeiro a utilizar essa harmonia, como Dionísio Iambo relata.
1142 -1144
31. Aristóxeno deixa claro que correção ou degeneração depende da formação e da instrução. Pois, dentre os compositores da sua época, ele diz que Telésias de Tebas, quando jovem, tinha sido educado com a mais bela música e tinha aprendido outras melodias dos compositores ilustres além das composições de Píndaro, de Dionísio de Tebas, de Lampro, de Pratinas e dos outros que foram grandes compositores líricos de pecas músicais. E diz que ele aprendeu também a tocar o aulo belamente e que se exercitou suficientemente nas outras partes da educação completa. Mas, chegada a época da sua madureza, foi tão fortemente seduzido pela música cênica e complexa que desprezou aquelas melodias comas quais ele fora educado, e aprendeu as composições de Filóxeno e de Timóteo, dentre essas as mais complexas e que em si mesmas são muito inovadoras. Quando se aplicou a compor melodias e experimentou os dois estilos, o de Píndaro e o de Filóxeno, não teve sucesso no gênero de Filóxeno. Isso aconteceu por causa da belíssima formação que ele recebeu desde criança.
32. Se, então, alguém deseja praticar a música com nobreza e consciência, deve imitar o estilo antigo, mas também deve complementá-la com outras disciplinas, e deve considerar a filosofia como um guia: pois ela e conveniente para julgar a medida adequada e a utilidade da música. De fato, três são as partes nas quais se divide, em geral, toda a música: diatônica, cromática e enarmônica. Aquele que se dedica a música precisa ser conhecedor da composição usada nesses gêneros e deve ser capaz da interpretação que as composições transmitem. Primeiro deve-se compreender que todo estudo acerca da música e um hábito que ainda não apreendeu o conhecimento do porque cada coisa da qual ela trata deve ser aprendida pelo aluno. Depois se deve pensar que para tal tipo de formação e estudo ainda não existe uma enumeração dos estilos. Porem muitos aprendem por acaso o que agradaria a quem ensina ou a quem aprende, mas os inteligentes rejeitam o “por acaso”, como os Lacedemônios, os Mantineios e os Pelênios. Pois, somente depois de escolher um estilo ou muito poucos, os quais eles pensavam convir a correção dos caráteres, praticaram essa música.
33. Isto ficaria claro, se se examinasse qual e o campo de estudo de cada uma das ciências. Assim, e evidente que a ciência harmônica e um conhecimento dos gêneros das melodias harmonizadas, dos intervalos, dos sistemas, dos sons, dos tons e das modulações dos sistemas. E mais adiante não se pode avançar com ela. Assim, não pecamos a ela poder distinguir se o compositor escolheu adequadamente, por exemplo, nos Mísios o tom hipodório no princípio ou o mixolídio e o dório no fim ou o hipofrígio e o frígio no meio. Pois a ciência harmônica não se estende a tais tipos de questões, mas necessita de muitas outras ciências, já que ela desconhece o valor da adequação. De fato, nem o gênero cromático nem o enarmônico chegarão jamais a ter o valor completo da adequação através do qual se mostrara o caráter moral de uma melodia composta, mas esta e a tarefa do executante. E claro que o som do sistema e diferente da composição melódica construída no sistema, acerca da qual a ciência harmônica não pode teorizar. O mesmo pode ser dito acerca dos ritmos, já que nenhum ritmo chegara a ter o valor da adequação completa nele próprio. Porque sempre dizemos algo apropriadamente tendo em mente algum caráter. E afirmamos que a causa disto e uma combinação ou mistura ou ambas as coisas. Tal como o gênero enarmônico posto por Olimpo no tom frígio misturado ao peon epíbato. De fato, isto gerou o caráter da primeira parte do nomo de Atena. Pois, o gênero enarmônico de Olimpo foi construído depois de ter sido somada a composição melódica e a rítmica e depois que o ritmo, somente ele, foi habilmente modulado tendo surgido um troqueu no lugar de um peon. Mas mesmo mantendo-se o gênero enarmônico e o tom frígio e com eles todo o sistema, o caráter sofre uma grande alteração. Porque a chamada harmonia no nomo de Atena e muito diferente do preludio quanto ao caráter. Se, portanto, o juízo crítico junta-se a prática da música, e evidente que o individuo se torna o juiz rigoroso na música. Pois quem conhece o dório sem saber julgar a adequação do seu uso não saberá o que ele produz, e nem conservara o caráter, já que também desconhece se a ciência harmônica e capaz de distinguir ou não acerca das mesmas composições melódicas dóricas, como alguns pensam.
O mesmo pode ser dito também acerca de toda ciência rítmica, pois quem conhece o peon não conhecera a adequação do seu uso somente através do conhecimento da própria constituição do peon, já que também desconhece, acerca das próprias composições rítmicas peônicas, se o estudo rítmico delas pode diferenciá-las, como alguns dizem, ou não se estende ate esse ponto.
E necessário, então, que ao menos existam dois conhecimentos para quem precisa distinguir o adequado e o inadequado. Primeiro: por causa de que caráter a composição nasce. Segundo: de que elementos nasce a composição. O que foi dito bastara para entender que, portanto, nem a ciência harmônica nem a rítmica nem nenhuma das ditas ciências particulares e suficiente, ela mesma, para distinguir o caráter segundo ela própria e para julgar os outros elementos.
34. Sendo três os gêneros nos quais se divide a melodia harmonizada, iguais nas extensões dos sistemas e nas funções das notas, assim como também nas funções dos tetracordes, os antigos estudaram apenas um, já que certamente os nossos antecessores não se preocuparam nem com o gênero cromático nem com o diatônico, mas somente com o enarmônico e, no que diz respeito a esse, apenas com uma parte do sistema, a chamada oitava. De fato, eles discordavam acerca da nuança, mas concordavam quase todos que havia apenas uma harmonia. Portanto jamais poderia compreender as matérias relacionadas a ciência harmônica quem avançou somente ate o conhecimento dela. Mas e evidente que compreendera quem segue de perto as ciências particulares, assim como todo o corpo da música e as mesclas e combinações de suas partes. Pois quem e apenas estudioso da harmonia esta limitado em certa medida. Então, para falar de modo geral, e necessário que a percepção e a inteligência caminhem juntas no julgamento das partes da música e não se adiantem, como fazem as percepções precipitadas e apressadas, nem se atrasem, como fazem as lentas e pesadas. As vezes acontece em algumas percepções também uma combinação de ambos os tipos e as mesmas atrasam se e adiantam-se por causa de uma anomalia natural. Portanto e preciso eliminar esses defeitos da percepção que deve caminhar junto com a inteligência.
1145 E, 40
40. E o nobre Homero ensinou que o uso da música é conveniente para o homem. Pois para demonstrar que a música e útil em muitas ocasiões, apresentou Aquiles digerindo sua ira contra Agamemnon através da música que aprendeu do sapientíssimo Quíron (...) Mais ainda, Homero, ensinando a ocasião mais apropriada do seu uso a quem esta em ócio, mostrou que ela é um exercício útil e prazeroso. Pois Aquiles, apesar de ser guerreiro e homem de ação por causa da sua ira que surgiu contra Agamemnon, não participava dos perigos da guerra. Homero, então julgou ser apropriado o herói afiar sua alma com as mais belas melodias, para que ele estivesse preparado para sair para a batalha que ele, em breve, iria enfrentar. E ele fazia isso evidentemente lembrando-se dos antigos feitos. Tal era a música antiga e para isso era útil. De fato, ouvimos que Héracles usou a música e Aquiles e muitos outros, cujo mestre, como é transmitido pela tradição foi o sapientíssimo Quíron, que foi professor de música e também de justiça e de medicina.
Plutarco (46 - 120)






