
KIRK, G. S., J. E. RAVEN e M. SCHOFIELD. Os filósofos pré-socráticos, 4ª ed., trad. C, A. L. Pessoa, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994.
Iâmblico, Vita Pythagorae 82 (DK 58 c4):
Todos os chamados acusmata se dividem em três categorias: uns indicam o que uma coisa é, outros o que é o mais importante, outros o que se deve ou não fazer. Exemplos da categoria “o que é” são: O que são as Ilhas dos Bem-Aventurados ? O Sol e a Lua. O que é o oráculo de Delfos ? A tetractys: que é a harmonia em que cantam as Sereias. Exemplos da categoria “o que é o mais ...? ” são: Qual é a coisa mais justa ? Fazer um sacrifício. O que é mais sábio”? O número; mas em segundo lugar, o homem que deu nomes às coisas. Entre nós, qual é a coisa mais sábia ? A medicina. Qual é a mais bela ? A harmonia. Qual é a mais poderosa ? O conhecimento. Qual a melhor ? A felicidade. Que de mais verdadeiro há no que se diz ? Que os homens são perversos.
Sexto, Adv. Math. VII, 94-5
E, ao darem esta indicação, os Pitagóricos costumavam, por vezes, dizer “Todas as coisas são como o número”, e por vezes proferir o seu mais poderoso juramento: “Não, por aquele que nos deu a tetractys, que contém a fonte e a raiz da inexorável natureza”. Com a expressão “aquele que deu” referem-se à Pitágoras (pois o deificaram”; e por “a tetractys”, a um número que, sendo composto dos quatro primeiros, produz o número mais perfeito, como por exemplo o dez (já que um mais dois, mais três, mais quatro fazem dez). Este número é a primeira tetractys, e é chamada “a fonte da inexaurível natureza”, do mesmo modo que todo o universo é ordenado segunda uma afinação, e a afinação é um sistema de três acordes, o de quarta, o de quinta e o de oitava, e as proporções destes três acordes encontram-se nos quatro números acabados de mencionar – no um, no dois, no três e no quatro.
Aristóteles. Metafísica. Vol. II. Ensaio introdutório, texto grego e comentário de G. Reale. Trad. M. Perine. São Paulo: Edições Loyola, 2002.
Metafísica, A 5, 985b 23: Os assim chamados pitagóricos são contemporâneos e até mesmo anteriores a esses filósofos. Eles por primeiro se aplicaram às matemáticas, fazendo-as progredir e, nutridos por elas, acreditam que os princípios delas eram os princípios de todos os seres. E dado que nas matemáticas os números são, por sua natureza, os primeiros princípios, e dado que justamente nos números, mais do que no fogo e na terra e na água, eles achavam que viam muitas semelhanças com as coisas que são e que se geram – por exemplo, consideravam que determinada propriedade dos números era a justiça, outra a alma e o intelecto, outra ainda o momento e o ponto oportuno, e, em poucas palavras. De modo semelhante para todas as outras coisas -; e além disso, por verem que as notas e os acordes musicais consistiam em números; e, finalmente, porque todas as outras coisas em toda a realidade lhes pareciam feiras à imagem dos números e porque os números tinham a primazia na totalidade da realidade, pensaram que os
elementos dos números eram elementos de todas as coisas, e que a totalidade do céu era harmonia e número. Eles recolhiam e sistematizavam todas as concordâncias que conseguiam mostrar
entre os números e os acordes musicais, os fenômenos, as partes do céu e rodo o ordenamento do universo. E se faltava alguma coisa, eles se esmeravam em introduzi-la, de modo a tornar coerente sua investigação. Por exemplo: como o número dez parece ser perfeito e parece compreender em si toda a realidade dos números, eles afirmavam que os corpos que se movem no céu também deviam ser dez; mas como apenas nove podem ser vistos, eles introduziram um décimo: Antiterra.
Tratamos esses assuntos mais acuradamente em outras obras. Aqui voltamos a eles para ver, também como esses filósofos, quais são os princípios que eles afirmam e de que modo eles entram no âmbito das causas das quais falamos. Também estes parecem considerar que o número é o princípio não só enquanto constitutivo material dos seres, mas também como constitutivo das propriedades e dos estados dos mesmos. Em seguida eles afirmam como elementos constitutivos do número o par e o ímpar; dois quais o primeiro é ilimitado e o segundo limitado. O Um deriva desses dois elementos, porque é par e ímpar ao mesmo tempo. Do Um procede, depois, o número; e os números, como dissemos, constituiriam a totalidade do universo.
Aristóteles. De Anima (Da Alma). Trad e notas de E. Bini, São Paulo: EDIPRO, 2011.
De Anima (Da Alma) I,V, 407b-408a: Há outra opinião acerca da alma, considerada por muitos não menos digna de crédito do que as demais até aqui mencionadas. Além disso, mereceu uma avaliação pública de si baseada nas discussões comuns. Os que partilham dessa opinião dizem que a alma é uma harmonia, pois a harmonia seria uma mistura ou uma espécie de combinação de contrários, enquanto o corpo, um composto de contrários.
Entretanto, a harmonia constitui uma certa proporção dos constituintes misturados, ou a sua combinação, não podendo a alma ser nem uma coisa nem outra. Ademais, o poder de gerar movimento não pode pertencer a uma harmonia, e todos os pensadores concordam, podemos afirmá-lo, ser essa propriedade um atributo principal da alma. É mais apropriado classificar a saúde, e em geral as boas qualidades corporais, como harmonia do que classificar a alma como harmonia. A evidência disso impõe-se quando procuramos relacionar as paixões e ações da alma a uma harmonia: quão difícil é harmonizá-las! Além disso,
ao utilizar a palavra harmonia temos duas coisas em mente: no sentido que lhes é mais pertinente vincula-se a grandezas dotadas de movimento e posição – nesse sentido, harmonia que são combinadas e harmonizadas de modo a barrar a inclusão de qualquer elemento homogêneo; por outro lado, num sentido derivado, harmonia significa a proporção entre os constituintes assim misturados. Num ou noutro desses sentidos não é plausível predicar a harmonia da alma. Refutar que seja a combinação das partes do corpo é algo demasiado fácil de realizar, uma vez que são numerosas diversificadas as combinações dessas partes: qual seria, nesse caso, a parte do corpo da qual o intelecto deveria ser considerado a combinação e de que espécie seria ela? E quanto às faculdades sensitiva e apetitiva[da alma]? É igualmente irracional identificar a alma com a proporção da mistura, porque a mistura dos elementos que constituem a carne apresenta uma proporção diferente da mistura constituinte do osso. A conseqüência dessa concepção seria admitir que haveria, distribuídas por todo o corpo, múltiplas almas, visto que cada uma das partes do corpo seria uma mistura dos elementos, e a proporção da mistura seria, por seu turno, em cada caso uma harmonia, ou seja, uma alma.
Diôgenes Laêrtios. Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres. 2ª ed. Trad. do grego, introd. e notas de M. da G. Cury. Brasília: Ed. UnB, 1977.
Livro VIII – Pitágoras e os pitagóricos (excertos)
(1) Concluída nossa exposição da filosofia iônica desde Tales, seu iniciador, até os homens que mais se distinguiram nela, passemos a examinar a filosofia itálica, fundada por Pitágoras, filho de Mnêsarcos (um gravador de pedras preciosas). De acordo com Hêrmipos esse filósofo nasceu em Samos, ou, segundo Aristôxenos, era um tirrênio das ilhas ocupadas pelos atenienses após a expulsão dos tirrênios. Outros autores, entretanto, afirmam que Pitágoras, por vis de Eutífron, Hípasos e Mármacos, descendia de Cleônimos, que fora banido de Fliús, e que, como Mármacos vivia em Samos, consequentemente o filósofo era chamado de sâmio.
(4) Heracleides do Pontos assinala que Pitágoras dizia de si mesmo que em outra encarnação fora Aitalides, e que se considerava filho de Hermes, e que Hermes lhe concedera a graça de escolher o que quisesse, à exceção da imortalidade. Ele pediu para poder, seja enquanto vivo, seja depois de moro, guardar a recordação de tudo que acontecesse. Por isso conseguia recordar-se de tudo enquanto vivo, e depois de morto conservou a mesma memória. Subsequentemente voltou ao mundo no corpo de Êuforbos, e foi ferido por Menêlaos. Êuforbos, por seu turno, dizia que em outra encarnação tinha sido Aitalides, e que havia recebido de Hermes aquela concessão, e contava as peregrinações de sua alma, para quantas plantas e animais sua alma passara e todos os sofrimentos que suportara no Hades e quais os padecimentos das outras almas.
(6) Alguns autores afirmam que Pitágoras não deixou obra alguma, embora não tenha demonstrado essa assertiva. Herácleitos, o físico[1], quase nos grita ao dizer: “Pitágoras, filho de Mnêrsacos, superou enormemente todos os homens no exercício da pesquisa. Fez para si mesmo uma seleção desses escritos, dos quais derivou sua sabedoria, mostrando muita erudição, porém má elaboração”. Herácleitos fala assim porquanto Pitágoras no início de seu tratado Da Natureza exprime-se nos seguintes termos: “Pelo ar que respiro, pela água que bebo, não permitirei que se censure esta minha obra”. De fato Pitágoras escreveu três obras: Da Educação, Do Estado, Da Natureza.
(7) Entretanto o único livro conservado sob o nome de Pitágoras é de Lisis de Taras, um pitagórico que se exilou em Tebas e foi preceptor de Epamêinondas. Heracleides, filho de Sarapíon, na Epítome de Sotíon, diz que Pitágoras escreveu também um poema Do Universo, e ainda o Discurso Sagrado cujo início é o seguinte: “Vinde, jovens, reverenciar quietamente toas estas palavras!, e em terceiro lugar Da Alma, em quarto Da Piedade, em quinto Helotales (o pai de Epicarmos de Cós), em sexto Crôton, e mais outros. O Discurso Místico, segundo a mesma fonte, é de autoria de Hípasos, e teria sido escrito para difamar Pitágoras; além disso muitos outros discursos escritos por Áston de Crôton teriam sido atribuídos a Pitágoras.
(11) (...) Pitágoras aperfeiçoou a geometria, pois Môiris foi o primeiro a descobrir a parte inicial de seus elementos, como diz Anticleides no segundo livro de sua obra Sobre Alêxandros. (12) Pitágoras dedicou-se principalmente ao estudo do aspecto aritmético da geometria, e descobriu o cânone monocórdio. Não descurou tampouco da medicina. Apolôdoros, o teórico do cálculo, afirma que ele sacrificou uma hecatombe por haver descoberto que o quadrado da hipotenusa num triângulo retângulo é igual à soma dos quadrados de seus catetos.
(24) (...) Na Sucessão dos Filósofos Alêxandros diz que encontrou nas Memórias Pitagóricas os seguintes dogmas pitagóricos.
(25) A mônada é o princípio de todas as coisas; da mônada nasce a díade indefinida, que serve de substrato material à mônada, sendo esta a causa; da mônada e da díade
nascem os números; dos números nascem os pontos, destes nascem as linhas e destas as figuras planas; das figuras planas nascem as figuras sólidas; destas nascem os corpos perceptíveis pelos sentidos, cujos elementos são quatro: o fogo, a água, a terra e o ar. Esses elementos transmudam-se e transformam-se completamente uns nos outros, combinando-se para produzir um cosmos animado, inteligente, esférico, tendo em seu centro a terra, ela também esférica e habitada. (26) Existem também os antípodas, e nosso “em baixo” é seu “em cima”. Nos cosmos há luz e trevas em proporções iguais, e calor e frio, e seco, e úmido; quando prevalece o calor é o verão, quanto prevalece o frio é o inverno; quando prevalece o seco é a primavera, e quando prevalece o úmido é o outono; se há equilíbrio entre o frio e o calor temos os períodos mais velos do ano, do quais um é florido e salubre – a primavera -, e o outro, quando ao fim, é malsão – o outono. Uma parte do dia também floresce e é a aurora, a outra decai e é a tarde, razão pela qual esta última é mais insalubre. O ar existente em volta da terra é imóvel e insalubre, e tudo que há nele é mortal; ao contrário, o ar altíssimo está em movimento eterno, e é puro e salubre, e tudo que há nele é imortal e, portanto, divino.
(27) O sol, a lua e os outros astros são deuses, porque prevalece neles o calor, que é a causa da vida. A lua é iluminada pelo sol. Há afinidades entre homens e deuses, pelo fato de o homem participar do calor, e esta é a razão de a divindade ser nossa providência. O destino governa o todos e as partes. Do sol se projeta um raio através do éter frio e do éter denso. Os pitagóricos chamam o ar de éter frio, e o mar e tudo que é úmido de éter denso. (28) Esse raio penetra até nos abismos e por isso vivifica todas as coisas. Tudo o que participa do calor vive, e as próprias plantas são seres animados; entretanto, nem todos os seres animados possuem almas. A lua é uma partícula do éter quente e do éter frio, porque participa também do éter frio. A alma é diferente da vida, sendo imortal, pois aquilo de que ela se destaca é imortal. Os seres animados geram-se uns aos outros por meio do sêmen, e nada se gera na terra espontaneamente. O sêmen é uma gota de cérebro contendo em si mesma o vapor quente; este, introduzido no útero, faz sair do cérebro ícor, umidade e sangue, dos quais resultam a carne, os nervos, os ossos, a pele e todo o corpo; do vapor nascem a alma e os sentidos.
(30) A alma do homem divide-se em três partes: inteligência, razão e ânimo. A inteligência e o ânimo existem também em todos os outros seres vivos, mas a razão existe apenas no homem. Os domínios da alma estendem-se desde o coração até o cérebro; a parte dela que está no coração é o ânimo, e as partes que estão no cérebro são a razão e a inteligência. Os sentidos são distilações dessas partes. A razão é mortal, tudo mais é mortal. A alma se nutre do sangue; as faculdades da alma são sopros, pois também são invisíveis, da mesma forma que o éter é invisível.
[1] Fragmento 129 Diels-Kranz.
Pitágoras (entre 571-570 a. C. - 497-496 a. C.)









