
Os fundamentos racionais e sociológicos da Música. Trad., introd. e notas L. Weizbort. São Paulo: EDUSP, 1995
(pp. 53-78). As notas foram retiradas nesta versão, bem como as palavras em alemão que se encontram no texto)
Toda música racionalizada harmonicamente parte da oitava (relação de freqüências 1:2) e a divide nos dois intervalos de quinta (2:3) e quarta (3:4), portanto em duas frações do esquema n/n+ 1, chamadas "frações próprias", que também estão na base de todos os nossos intervalos musicais abaixo da quinta. Portanto, se a partir de um som inicial subirmos ou descermos em "círculos", primeiro em oitavas, em seguida em quintas, quartas ou em alguma outra relação determinada "propriamente", então as potências dessas frações nunca poderão encontrar-se em um e mesmo som, até onde se possa continuar esse procedimento. A décima segunda quinta justa , igual a (2/3), é, por exemplo, uma coma pitagórica maior do que a sétima oitava, igual a (1/2). Esse inalterável estado de coisas, e a circunstância de que a oitava é decomposta por frações próprias em apenas dois grandes intervalos diferentes, constituem os fatos fundamentais de toda a racionalização da música. Recordemo-nos, em primeiro lugar, como a música moderna, vista a partir deles, se apresenta.
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Nossa música harmônica de acordes racionalizou o material sonoro mediante a divisão aritmética, e respectivamente harmônica, da oitava em quinta e quarta; a seguir, pondo de lado a quarta, da quinta em terças maior e menor (4/5 x 5/6 = 2/3), da terça maior em tom inteiro maior e menor (8/9 x 9/10 = 4/5), da terça menor em tom inteiro maior e semitom maior (8/9 x 15/16 = 5/6), do tom inteiro menor em semitons maior e menor (15/16 x 24/25 = 9/10).
Todos esses intervalos são formados com frações dos números 2, 3 e 5. Partindo de um som como "som fundamental" a harmonia de acordes constrói sobre ele suas quintas superior e inferior, cada uma dividida aritmeticamente por suas duas terças, gerando um "acorde de três sons" normal; obtém-se então, através da classificação, em uma oitava, dos sons formados nesses acordes de três sons (ou suas oitavas respectivas), o material total da escala diatônica "natural", a partir do som fundamental em questão; e, conforme a terça maior esteja situada acima ou abaixo, uma escala "menor" ou "maior", respectivamente.
Entre os dois passos diatônicos de semitom da oitava estão situados uma vez dois, outra vez três passos de tom inteiro; nos dois casos é o segundo um passo de tom inteiro menor, e os outros, passos de tom inteiro maior. Continua-se obtendo novos sons através da formação de terças e quintas de cada som da escala, para cima e para baixo dentro da oitava, originando-se assim entre os intervalos diatônicos dois intervalos "cromáticos" de um passo de semitom menor, em cada caso, a partir dos sons diatônicos acima e abaixo, separados um do outro por um resto de intervalo "enarmônico" ("diesis")".
Como as duas espécies de tons inteiros produzem entre os dois sons cromáticos dois grandes restos de intervalos enarmônicos diferentes, e como o passo diatônico de semitom difere por sua vez de um semitom menor de outro intervalo, então todos os diesis são na verdade construídos através dos números 2, 3 e 5, embora sejam de três espécies diferentes, com grandezas muito complicadas. A possibilidade da divisão harmônica através de frações próprias a partir dos números 2, 3 e 5 alcança seu último limite, por um lado, na quarta, que é decomposta propriamente apenas com o auxílio do 7, e, por outro, no tom inteiro maior e nos dois semitons.
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A música harmônica de acordes construída sobre esse material sonoro mantém agora, por princípio, em sua configuração completamente racionalizada, para cada composição musical a unidade da escala "própria" produzida através da relação com o "som fundamental" e com os três acordes normais de três sons principais: o princípio da "tonalidade". Toda tonalidade maior possui o mesmo material sonoro próprio de uma tonalidade menor paralela, cujo som fundamental situa-se uma terça menor abaixo. Além disso, todo acorde de três sons sobre a quinta superior (dominante) e quinta inferior (subdominante - oitava da quarta) é "tônico", isto é, um acorde de três sons construído sobre o som fundamental de uma tonalidade de "afinidade mais próxima" e de mesmo modo (maior ou menor), que compartilha com a tonalidade de partida o mesmo material sonoro, exceto em um som. As "afinidades" das tonalidades em círculos de quintas desenvolvem-se de modo análogo.
Através do acréscimo da terceira terça própria a um acorde de três sons, originam-se os acordes de sétima dissonantes e, especialmente sobre a dominante da tonalidade (portanto com sua sétima maior como terça), o acorde de sétima da dominante, o qual, por se manifestar apenas nessa tonalidade, no interior da composição, como sucessão de terças do material sonoro próprio, caracteriza-a inequivocamente. Todo acorde construído a partir de terças suporta a "inversão" (a transposição de um ou mais de seus sons a uma outra oitava) e resulta, assim, em um novo acorde de mesmo número de sons e sentido harmônico inalterado.
A "modulação" regular em uma outra tonalidade efetua-se a partir de acordes de dominante; introduz-se inequivocamente a nova tonalidade através de um acorde de sétima da dominante ou de um fragmento inequívoco deste. A harmonia de acordes rigorosa só conhece uma conclusão regular de determinada composição musical ou de um de seus segmentos por meio de uma sucessão de acordes (cadência) que caracteriza inequivocamente a tonalidade; portanto, normalmente, por meio de um acorde de dominante e de um acorde tônico de três sons, ou também por meio de suas inversões ou ao menos de fragmentos inequívocos de ambos.
Os intervalos contidos em acordes harmônicos de três sons ou em suas inversões são consonâncias ("perfeitas" ou "imperfeitas", conforme o caso). Todos os outros intervalos são "dissonâncias". O elemento fundamentalmente dinâmico da música de acordes, que motiva musicalmente o progresso de acorde a acorde, é a dissonância. Para resolver sua tensão contida ela exige sua "resolução" em um novo acorde, que representa a base harmônica na forma consonante; as dissonâncias típicas mais simples da harmonia de acordes pura, os acordes de sétima, exigem sua resolução em acordes de três sons.
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Ao menos até este ponto tudo parece estar em ordem, e, pelo menos no que se refere a estes elementos básicos (artificialmente simplificados), o sistema harmônico de cordes poderia apresentar-se, à primeira vista, como uma unidade racionalmente acabada. Porém, como se sabe, isto não ocorre. Para que o acorde de sétima da dominante seja o representante inequívoco de sua tonalidade, sua terça, ou seja, a sétima da tonalidade, precisa ser uma sétima maior: assim, foi preciso que nas tonalidades menores suas sétimas menores fossem elevadas cromaticamente, em contradição com o exigido pelo acorde de três sons (caso contrário, o acorde de dominante com sétima de lá menor seria simultaneamente o acorde de sétima de mi menor).
Essa contradição, portanto, não é, como às vezes foi dito (também por Helmholtz), apenas melodicamente condicionada – pois somente o passo de semitom abaixo da oitava do som fundamental possui aquela dependência que o impulsiona à oitava e que o qualifica como "sensível" -, mas já se encontra acabada na própria função harmônica do acorde de sétima da dominante, ainda que ela deva valer para o modo menor". A partir da alteração da sétima menor em maior origina-se propriamente, da terça menor à quinta e em direção à sétima maior da tonalidade menor, o "acorde aumentado de três sons" dissonante, que possui duas terças maiores superpostas, ao contrário da combinação harmônica de terças. Todo acorde de sétima da dominante de escala própria contém o "acorde diminuto de três sons" dissonante; sua terça para cima é formada a partir da sétima maior da tonalidade. Estas duas espécies de acordes de três sons são, em comparação com as quintas divididas harmonicamente, já verdadeiramente revolucionárias.
Contudo, a harmonia de acordes nunca pôde deter-se, em sua legitimação, frente aos fatos da música, isto já desde J. S. Bach. Se em um acorde de sétima que contenha uma sétima menor inserir-se duas terças maiores, permanece então como resto a "terça diminuta" dissonante, e constrói-se, a partir dela, de uma terça menor e de uma terça maior, um acorde de sétima, cuja sétima é novamente "diminuta": originam-se os acordes de sétima "alterados" e suas inversões. Através da combinação de terças próprias (normais) com terças diminutas, originam-se, além disso, os "acordes alterados de três sons" e suas inversões. A partir do material dessas categorias de acordes pode-se então construir as muito discutidas "escalas alteradas", do qual elas são próprias e a partir do qual são vistas, por conseguinte, como dissonâncias "harmônicas", cujas resoluções se deixam construir com as regras (adequadamente expandidas) da harmonia de acordes, podendo ser empregadas na formação de cadências.
As "escalas alteradas" surgiram historicamente, de modo característico, em primeiro lugar nas tonalidades menores, e apenas pouco a pouco foram racionalizadas pela teoria. Todos estes acordes alterados reconduzem, de qualquer maneira, à posição da sétima no sistema sonoro. A sétima é também a perturbadora na tentativa de harmonizar a tonalidade maior simples através de uma série de acordes de três sons puros; falta o som de ligação, exigido pela necessidade de progressão gradualmente contínua, do sexto para o sétimo grau, e na verdade isto ocorre apenas nesse ponto, o único onde falta aos graus a "relação dominante" de um com o outro: onde falta o "grau de afinidade mais próxima", mediado por uma das dominantes dos acordes de três sons empregados na harmonização.
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Aquela necessidade de continuidade da progressão, ou seja, a solidariedade dos acordes uns com os outros, agora não é mais fundamentada, na sua essência, por um caráter harmônico puro, mas sim "melódico", A "melodia". no sentido geral do termo, é sem dúvida condicionada e ligada harmonicamente, mas não pode, mesmo na música de acordes, ser deduzida harmonicamente. Na verdade, a formulação de Rameau de que o "baixo fundamental", isto é, o som harmônico fundamental dos respectivos acordes, pode mover-se apenas nos intervalos dos acordes de três sons (quintas justas e terças), submeteu também a melodia à harmonia de acordes racional. Sabemos como Helmholtz desenvolveu teoricamente, de modo admirável, o princípio da progressão parcial aos sons "mais afins" (para a escala superior e para a escala de sons combinados) precisamente como princípio da melodia monódica pura". Mas ele mesmo precisou introduzir como princípio ulterior a "vizinhança da altura do som", que então procurou adaptar ao sistema harmônico rigoroso, em parte de acordo com as pesquisas de Basevi, e em parte através da limitação dos sons explicados apenas melodicamente a partir da mera função de "passagem".
Mas a afinidade c a vizinhança dos sons permanecem em irreconciliável oposição entre si,já que o passo de segunda, e especialmente o passo de semitom "sensível", o mais intenso de todos, liga precisamente dois sons de afinidade física longínqua. Esta oposição é constatada mesmo se não levarmos em conta a opinião geral de que a escala dos harmônicos está na base da harmonia não de modo completo, mas sim, com a omissão de graus determinados, em uma in completude muito pronunciada. As melodias, mesmo as de "composição pura" mais rigorosa, nem sempre são apenas acordes fraturados, isto é, projetados em uma sucessão sonora, e nem sempre estão unidas em suas progressões mediante sons harmônicos harmônicos do baixo fundamental. Com meras colunas de terças, dissonâncias harmônicas e suas resoluções, uma música jamais poderia ter sido totalmente construída. A partir da complicação das progressões encadeadas e, principalmente, também a partir da distância e da proximidade dos sons, busca-se compreender as necessidades melódicas que resultam daqueles numerosos acordes que não se baseiam na construção de terças, e não são, portanto, nem representantes harmônicos de uma tonalidade, nem - por conseguinte - igualmente inversíveis. Esses acordes também não encontram sua realização através da resolução em um acorde inteiramente novo, que, entretanto, caracteriza complementarmente a tonalidade: as chamadas dissonâncias "melódicas" ou - falando do ponto de vista da harmonia de acordes" casuais".
A harmonia de acordes trata de maneira diferenciada os sons estranhos (sejam eles estranhos à harmonia ou à escala) presentes nestes acordes: ou como sons "de passagem", "suspensos" ou "repetidos" junto às vozes em progressão por acordes (cuja relação variável com estes estampa portanto o caráter específico da composição), ou como "antecipações" ou "apogiaturas" de sons pertencentes ao acorde (à frente ou atrás do acorde respectivo); por fim e sobretudo como "retardas": sons harmonicamente estranhos ao acorde em um acorde que, de certo modo, deslocou os sons verdadeiramente correspondentes de sua posição, e que, por isso não poderiam se comportar "livremente", como as legítimas dissonâncias "harmônicas", mas precisariam sempre ser "preparados". Eles não promovem a resolução harmônica específica do acorde, mas esta realiza-se, ao menos em princípio, porque os sons e intervalos deslocados foram. por assim dizer, posteriormente reinstituídos em seus direitos ofendidos por estes rebeldes,
Precisamente estes sons estranhos ao acorde são agora, no entanto, naturais, justamente mediante o contraste frente à exigência do acorde, que é, por um lado, o meio mais eficaz da dinâmica das progressões, e, por outro, também da ligação e interdependência da seqüência de acordes entre si. Não haveria música moderna sem estas tensões derivadas da irracional idade da melodia, já que elas constituem precisamente seus mais importantes meios de expressão. Não cabe aqui, entretanto, analisar o modo como isto ocorre. Pois neste ponto apenas deve ser lembrado, a respeito dos fatos mais simples, que a racionalização da música através de acordes não vive somente em tensão constante frente às realidades melódicas, que ela nunca pode atrelar completamente a si, mas também abriga em si mesma, em conseqüência da posição assimétrica da sétima (considerada enquanto distância), irracionalidades que encontram sua expressão mais simples na mencionada ambigüidade harmônica inevitável da estrutura da escala menor.
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Mas o mero aspecto físico-sonoro, como se sabe, não esgota o sistema sonoro da harmonia de acordes. O fundamento de sua moderna estrutura é a escala de dó maior. Na afinação justa ela compreende, a partir dos 7 sons de cada oitava, para cima ou para baixo, 5 quintas justas, outras tantas quartas, 3 terças maiores e 2 terças menores, 3 sextas menores e 2 sextas maiores e 2 sétimas maiores a partir dos sons próprios; por outro lado - em conseqüência da diversidade dos passos de tom inteiro - também compreende duas espécies de sétimas menores (3 de 9/16 ; 2 de 5/9), diferentes por uma (assim chamada) "coma sintônica" (80/81). Mas antes de tudo ela possui, a partir de então, dentro dos sons diatônicos, em cada caso, uma quinta e uma terça menor para cima e uma quarta e uma sexta maior para baixo, que, em comparação com os intervalos justos, diferem pela mesma coma; e produz uma relação para a quinta ré-lá (27/ 40) que soa, devido à sensibilidade da quinta para com todas as diferenças, algo"dissonante". A terça menor ré-fá é uma terça menor (8/9: 3/4 = 27/32) também determinada ("pitagoricamente") - de maneira inevitável - através dos números 2 e 3. Esta falha da racionalização se baseia no fato de que a terça justa só pode ser construída com a colaboração do número primo 5 e, portanto, o círculo de quintas não pode conduzir a terças justas; por conseguinte, esta falha pode ser interpretada (segundo M. Hauptmann) como a oposição da determinação das quintas e terças, não sendo de nenhum modo eliminada: ré e fá são os "sons limites" da tonalidade harmônica de dó maior.
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Evidentemente. não se melhora a racionalização através do uso auxiliar dos intervalos construídos com o número 7 ou números primos maiores. Como se sabe, tais intervalos estão contidos na escala dos harmônicos, começando do sétimo som, e uma divisão harmônica da quarta (no lugar da quinta, como em nosso sistema sonoro) através de frações próprias só é possível com o número sete (6/7 x 7/8 = 3/ 4). Mas a sétima natural, que é levemente abafada nos instrumentos de cordas, mas que em todas as trompas simples22 aparece como o sétimo som parcial harmônico (= 4/7, o "i" de Kirnberge) , que, conforme dizem, também pode ser encontrado nos diapasões de sopro japoneses), também pode consoar com dó-mi-sol (Fasch tentou introduzir este som também na música prática). Além disso, o intervalo 5/7 ("trítono natural", quarta aumentada - o único intervalo afinado de modo "justo" no pipa-alaúde japonês) pode também atuar como consonância. E, finalmente, outros intervalos com o 7 podem ter sido correntes na música asiático-oriental (intervalo de 7/8 como tom inteiro no king, o instrumento principal das orquestras chinesas na oitava mais baixa) e árabe, e também na Antiguidade, embora talvez não na prática musical, como se tem afirmado, mas sim nos teóricos helênicos (nestes, mesmo com números primos ainda maiores) até a época bizantina e islâmica, e com maior razão nos persas e árabes. Assim, nem mesmo mediante seu uso auxiliar obtém-se um sistema de intervalos harmonicamente racional capaz de ser utilizado por uma música de acordes. Na música asiático-oriental eles são, aliás, possivelmente um produto daquela racionalização efetuada a partir de fundamentos inteiramente extramusicais, de que ainda falaremos. De resto, o 7 seria em si inteiramente legítimo em sistemas musicais cujo intervalo fundamental fosse (ao lado da oitava) não a quinta e a terça, mas sim a quarta. Em nossos pianos, destinados à música de acordes, O' sétimo som harmônico foi eliminado mediante a posição de toque do martelo; nos instrumentos de corda mediante o modo de passar o arco; e nas trompas simples ele foi "impelido" às sétimas harmônicas. Intervalos com 11 e 13, como os contidos na escala dos harmônicos, e que inclusive Chladnt, por exemplo, pretendia ter ouvido em canções populares da Suábia, ao que se sabe não foram recebidos em nenhuma música artística racionalizada, embora os persas certamente tenham introduzido na escala árabe um intervalo construído com 17.
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Finalmente, uma música que, ao contrário, elimine o número 5, e com isso a diversidade dos passos de tom inteiro, e restrinja-se aos números 2 e 3, uma música que, portanto, tome por base como único tom inteiro o maior (com a relação 8/9), o "tonos" dos gregos, o intervalo entre a quinta e a quarta (2/3 : 314 = 8/9), obtém na verdade (contando de baixo para cima) 6 quintas justas e outras tantas quartas (de todos os sons, exceto da quarta à sétima) na oitava diatônica. Esta música obtém assim a importante vantagem, precisamente para as músicas puramente melódicas, de possuir uma possibilidade ótima de transpor na quinta ou quarta os movimentos melódicos - uma circunstância da qual depende em grande medida a antiga preponderância destes dois intervalos. Mas ela elimina inteiramente as terças harmônicas, que se constituem justas apenas através da divisão harmônica da quinta sob intervenção do número 5, e com isso também o acorde de três sons, portanto também a distinção dos modos maior e menor e a ancoragem tonal da música harmônica no som fundamental. Este foi o caso da música helênica e também dos assim chamados "modos eclesiásticos" da Idade Média. No lugar da terça maior colocava-se ali o dítono (e : c = 8/9 x 8/9 = 64/81 ) e no lugar do semi tom diatônico o "leimma" (intervalo residual do dítono em comparação com a quarta = 243/256). A sétima seria então = 128/243. A obtenção harmônica do som parava portanto na primeira divisão da oitava, que foi considerada decomposta através da quinta e quarta em duas seqüências de quartas simétricas (c-f, g-c') separadas mediante o "tonos" ("diazêuticas") - em contraposição às duas unidas no c mediante a "synaphe": identidade do som final de uma com o som inicial da outra ("synemmene"). A obtenção dos sons isolados desta seqüência de sons não podia ser pensada, portanto, como executada através da divisão harmônica da quinta, mas
sim no interior da quarta como o menor destes dois intervalos; e não através de sua "divisão" harmônica (que é possível apenas por meio do 7), mas sim de acordo com o princípio da igualdade dos passos (de tom inteiro): o "princípio da distância". Portanto, a diversidade dos dois tons inteiros originados através da divisão harmônica e dos dois semi tons harmônicos precisou ser suprimida. O leimma, a diferença entre o dítono e a quarta, constitui na verdade, nesta afinação pitagórica, uma relação muito irracional construída com o 2 e o 3. Analogamente, ocorre em qualquer outra tentativa de uma divisão da quarta em três distâncias, como foi feito muitas vezes teoricamente (e realizado na prática na música árabe-oriental), mas
que não é possível sem números primos muito maiores, além de não ser utilizável harmonicamente.
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Muitas escalas sonoras racionalizadas de modo primitivo contentam-se então com a inserção de apenas uma distância de som, regularmente de um tom inteiro, no interior das duas quartas "diazêuticas": a "escala pentatônica". Parece seguro que a escala pentatônica (que ainda hoje é o sistema oficial chinês, e a base de pelo menos uma, mas talvez originalmente das duas escalas sonoras javanesas, e que do mesmo modo encontra-se na Lituânia e na Escócia, Irlanda, Gales, bem como entre os indígenas, mongóis, anamitas, cambojanos, japoneses, papuas e negros Fullah), desempenhou um papel significativo no passado da música, também
entre nós". Numerosas melodias indubitavelmente muito antigas de canções infantis da Vestfália, por exemplo, mostram estrutura pentatônica muito nítida, e mesmo livre de semi tons ("anhemitônica"); e a conhecida receita para a criação de composiçôes do tipo canção popular, empregando apenas as cinco teclas pretas do piano - que constituem um sistema pentatônico livre de semitons -, pertence também ao mesmo caso. O domínio da "escala anhemitônica" mantém-se firme na antiga música gálica e escocesa; Riemann e, ainda que de outro modo, O. Fleischer acreditavam poder apontar seus vestígios na antiga música eclesiástica do Ocidente.
Especialmente a música dos cisterciences, com sua evitação puritana (seguindo a regra de sua Ordem) de todos os refinamentos estéticos nesse campo, parece ter sido pentatônica. Do mesmo modo, sob as escalas dos cantos das sinagogas judaicas, que de resto repousam sobre uma base oriental-helenística, encontra-se uma única escala pentatônica .
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A escala pentatônica anda amiúde de mãos dadas com uma evitação dos passos de semi tom, condicionada através do "elhas" da música. Conclui-se daí que justamente esta evitação constitui seu motivo musical. O cromatismo é de todo antipático à antiga Igreja, como também, por exemplo, aos poetas trágicos mais antigos dos helenos e à teoria musical confuciana, burguesamente racional. Dos povos de música artística do Leste asiático, os japoneses, organizados de modo feudal e com uma tendência para a expressão apaixonada, foram os únicos que se dedicaram a um cromatismo intenso Chineses, anamitas, cambojanos e a música javanesa mais antiga (escala slendro) foram do mesmo modo constantemente antipáticos ao cromatismo, como também a todos os acordes menores. Não se sabe com certeza se as escalas pentatônicas são por toda parte as maisantigas - elas perduram não raras vezes junto com escalas mais completas. As numerosas escalas incompletas dos indianos, ao lado das séries completas da oitava, têm apenas em pequena parte um aspecto semelhante à escala pentatônica normal. Não se sabe até que ponto elas provêm de alterações e corrupções em escalas pentatônicas. Na maioria dos casos sua maior antiguidade parece mais provável. ao menos em comparação com as escalas que estão agora ao seu lado.
A escala pentatônica também pode ser encontrada na música dos índios Chippewah, (de acordo com os fonogramas de Densmore)", conservada naturalmente de forma mais pura precisamente nos cantos cerimoniais. Permanece bastante incerto até que ponto, ao lado da conservação da escala pentatônica sem semi tons, foi decisivo também na música artística a aversão para com o intervalo irracional de semi tom, por motivos musicais, supersticiosos ou racionalistas (na China); ou, inversamente, a dificuldade de sua entoação inequívoca. Pois não está provado que precisamente a música verdadeiramente primitiva, isto é, não tonal ou pouco racionalizada, evite o semitom; os fonogramas, sobretudo de melodias dos negros, indicam antes o contrário. Eis por que foi contestada, recentemente, a tese de que a escala pentatônica teve em geral o seu fundamento primeiro na tendência para a evitação dos passos de semi tom - como Helmholtz, por exemplo, também admitia". Ele pressupunha simplesmente, como fundamento da origem das escalas pentatônicas nas músicas primitivas, um rompimento anterior da série dos sons afins com a tônica nos graus mais próximos, um ponto de vista insustentável, como mostra a análise das músicas primitivas. Pois a escala pentatônica pode ser encontrada não raras vezes (por exemplo, nas melodias pentatônicas japonesas: - escala c, d bemol, f, g, a bemol, c' em comparação com c, d, f, g, a, c' dos chineses; e, do mesmo modo, na escala pelog - mais nova - javanesa, que contém sete graus, mas cuja escala de uso é de cinco graus) numa configuração em que, no interior da quarta, figure precisamente um intervalo de semitom ao lado de uma terça esvaziada. No entanto, em comparação com a escala anemitônica, isto pode ser encontrado apenas na minoria dos casos - também na escala pentatônica dos índios norte-americanos. Em tais casos a escala pentatônica significaria o emprego dos três intervalos de quinta, quarta e terça maior, ao lado da qual, a seguir, restaria apenas o semitom. Mas aqui a terça poderia, quando ela mesma deveria ser compreendida em geral como terça harmônica e não mais como distância ditônica, ter-se imposto gradualmente, e a eliminação do tom inteiro seria secundária. Às músicas pentatônicas, até onde empregarem o tom inteiro harmônico e, por conseguinte, a diferença entre quinta e quarta, é inerente (e na verdade de modo natural) um intervalo correspondente à terça menor - na medição pitagórica (27/32), como na afinação "justa" entre ré e fá, em conseqüência da eliminação do semitom (assim, por exemplo, ocorre também entre os indígenas) -, mas não, ao que se sabe, a terça maior, e menos ainda a medição harmônica. Esta é rara nas músicas realmente primitivas. Nestas, pelo contrário, o intervalo de terça, em muitas músicas examinadas através de fonogramas, aparece precisamente de forma impura, esporadicamente, não como terça harmônica e também não como dítono - o que poderia ser relacionado, por um lado, com exigências muito altas em termos de pureza precisamente na terça, quando os batimentos devem ser evitados, e, por outro lado, com a rápida ininteligibilidade dos batimentos -, mas sim como a chamada terça neutra (que, segundo Helmholtz, ao ser produzida por tubos de órgão revestidos, consoa razoavelmente), que é, na verdade, de determinação muito insegura, de modo que não é provável o emprego da terça maior pura em uma escala de algum modo "primitiva". Assim, é pouco provável que a escala pentatônÍca seja uma escala realmente "primitiva", porque, ao que se sabe, por toda parte, inclusive em todas as músicas mais primitivas, uma certa distância (de qualquer modo, ao menos o tom inteiro harmônico, nos lugares onde a quarta e quinta aparecem - distância essa inteiramente regular, na medida em que é sua diferença) é a base da melodia prática, Portanto, a escala pentatônica pressupõe, ao que parece, pelo menos a oitava e sua costumeira "divisão" desenvolvida, isto é, uma racionalização parcial; por conseguinte, não é realmente primitiva. Além disso, não há dúvida, atualmente, de que também a estrutura de um sistema pentatonicamente anemitônico em si não precisa necessariamente se basear precisamente sobre a quarta como intervalo fundamental. A escala irlandesa, por exemplo, como a defendeu no ano de 747 o Sínodo de Cloveshoe em oposição ao Coral gregoriano como o "modo de cantar de nossos antepassados irlandeses", foi. no século onze, empregada "como acordes", e era então livre de semitons. Em geral, lê-se uma escala anemitônica c, d, f, g, a, c como f, g, a, c, d, f; assim ela contém segunda, terça menor (ou tom e meio pitagórico), terça maior (ou dítono), quinta e sexta. Faltam portanto não a terça e a sétima, mas sim a quarta e a sétima. Com efeito, o "sentido" da escala pentatônica não é a esse respeito inequívoco. Muitas melodias pentatônicas - músicas escocesas e o Hino do Templo citado por Helmholtz - corresponderiam, se tomarmos por base nossas representações da tonalidade, ao segundo tipo. Ao lado da sétima, difícil de cantar por toda parte, também a quarta parece ser, em certas regiões, mais difícil de entoar, para os principiantes, do que a terça, ao contrário da regra; isto ocorre, segundo Densmore, entre os índios, e segundo F. Hand, entre as crianças na Suíça e no Tirol. Esta poderia ser uma conseqüência do desenvolvimento rumo à terça, característico do Norte, que será discutido mais tarde; também a escala anemitônica dos cisterciences acompanhou este processo, com sua predileção específica pela terça. Em vista do fato mencionado por último permanece muito incerto se, como Helmholtz sugeriu, o tratamento favorável da terça na música norte-européia, nos registros mais altos, onde soava facilmente pura por causa do número maior de batimentos', relaciona-se também com o fato de que as mulheres, aqui, participam do canto coral, do qual estavam excluídas na Antiguidade, ao menos no terreno dos grandes centros culturais (Atenas, Roma), assim como na Igreja antiga tardia, tornada ascética, e também na medieval. Tanto quanto posso ver, encontra-se, nas músicas dos povos primitivos, a participação, de formas muito variadas, das mulheres no canto, com a correspondente diferença quanto à tomada de posição para com a expressão da terça (considerada como tal, já que dificilmente se sabe de modo inequívoco se a cada vez foi ouvida a terça ou pelo contrário uma distância ditônica). Na Idade Média, paralelamente com o avanço da terça, a quarta encontrava-se, também na teoria, entre as dissonâncias, (essencialmente porque ela não foi tolerada pela teoria [abstraindo do Organum etc.] nem em acordes de três sons, por conseguinte em conclusões, nem em movimentos paralelos, sendo portanto prejudicada, em termos harmônicos, em comparação com a terça). Entre os indígenas, cuja escala pentatônica está em desaparecimento, as terças (menores e neutras) desempenham igualmente um papel considerável. Os dois densos intervalos vizinhos. quarta e terça, parecem portanto estar historicamente em uma espécie de antagonismo - o que Helmholtz pôde explicar de maneira satisfatória com sua teoria (Tonempfindungen, 3~ ed., p. 297) -, de modo que a escala pentatônica em si poderia conformar-se tanto com um quanto com o outro. Mas isto não é provável, em razão da situação genérica da quarta na música antiga; pois até onde nossos conhecimentos hoje se estendem, a quinta, e portanto também a quarta, parecem surgir, por toda parte onde a oitava é uma vez "reconhecida", como os primeiros e na maioria dos casos únicos intervalos harmonicamente "justos"; e especialmente a quarta possuiu, na maioria esmagadora de todos os sistemas musicais conhecidos, e também naqueles que, como o chinês, não têm estabelecida uma teoria própria do "tetracorde", o significado de um intervalo melódico fundamental. As canções infantis da Vestfália movem-se de modo típico, a partir do som central mais freqüente (sol) - o som melódico principal -, uma quarta para cima e para baixo. Das duas escalas javanesas, uma (slendro) tem a quarta e quinta aproximadamente justas, com um som no centro de cada uma das duas distâncias aproximadas de quarta que compõem diazeuticamente a oitava. Também a outra (pelog) estende-se do som central em uma quarta aproximadamente justa unida para cima e para baixo, e sua escala prática habitual contém, contando a partir do som mais baixo, som inicial, terça neutra, quarta, sexta neutra, sétima menor. J. C. N. Land considera a primeira de origem chinesa-antiga, e a última de origem árabe. Em resumo, o mais provável é a interpretação da escala pentatônica como uma combinação de duas quartas diazêuticas, na qual originariamente as duas quartas só eram divididas por um intervalo que, de acordo com o movimento melódico (especialmente se para cima ou para baixo), era móvel e, eventual mente, irracional. O sistema pelog javanês, por exemplo, poderia ser também explicado dessa maneira. O mais nítido documento sobre este desenvolvimento, o fato de que os sons limites das quartas inicialmente foram imóveis, enquanto fundamentos de toda determinação do intervalo, pode ser encontrado tanto entre os helenos como entre os árabes e os persas. A partir deste ponto o desenvolvimento poderia ter progredido em seguida, naturalmente, para um sistema sonoro irracional (com exceção da quarta); ou para a escala anemitônica; ou finalmente para a escala pentatônica com semitons e terça maior, ou também - como em muitas canções escocesas - com tom inteiro e terça menor. Em particular o indubitavelmente antigo tropos spondeiazon" dos helenos, enquanto melodia de sacrifício, era, segundo Plutarco, pentatônico e, evidentemente, anemitônico". O segundo hino délfico a Apolo, composto tardiamente, mas evidentemente de modo arcaico, parece evitar o emprego de mais de três sons de um tetracorde, mas não o passo de semitom. Em resumo, a evitação ou desclassificação do semitom a apenas distâncias melodicamente "sensíveis" é o mais velho e também o mais propalado sentido "tonal" da escala pentatônica, que já representa ela mesma uma espécie de escolha de intervalos harmônicos racionais entre a abundância de distâncias melódicas. Em todo caso, com todos estes fenômenos, já estamos fora do âmbito da obtenção harmônica do intervalo, que toma o caminho da divisão da quinta, adentrando no domínio da construção das escalas através da mera escolha de distâncias melódicas no interior da quarta, que deixa a arbitrariedade sensivelmente mais livre do que em qualquer escala determinada harmonicamente. As escalas das músicas puramente melódicas fizeram um amplo uso dessa liberdade. Sobretudo a teoria. Se, pelo contrário, se tivesse partido da quarta como o intervalo melódico fundamental, então haveria, em princípio, imensas possibilidades arbitrárias de sua "divisão" mais ou menos racional através de alguma combinação de intervalos. As escalas dos teóricos helenos, bizantinos, árabes e hindus, que evidentemente influenciaram-se mutuamente, indicam tal fato nos mais variados livros, mas hoje simplesmente não se pode afirmar até que ponto essas escalas foram empregadas verdadeiramente na música prática. O único aspecto que sugere isto é a indicação de um "ethos" específico para os modos singulares de divisão, que pode ser encontrado na teoria oriental e, influenciada também a partir daí, na bizantina, ainda mais freqüente e tipicamente do que na helênica, o que pode deixar presumir que, de fato, ao menos nos círculos que sustentaram a música artística daquele tempo, os efeitos dessas escalas extremamente barrocas foram muitas vezes apreciados. Mas também a extensão na qual isto ocorreu é inteiramente incerta. Na medida em que apoiou realidades efetivas da prática, tratava-se, ao menos em parte - mas apenas em parte -, de um modo de construção de um panteão de afinações de instrumentos originalmente locais, paralelamente à ocasional transferência de afinações de instrumentos específicos para outros, por exemplo dos harmônicos naturais dos instrumentos de sopro para os instrumentos de cordas. Ambos foram então objeto de racionalização sistemática. Uma diferenciação originalmente local das escalas melódicas distingue-se muito nitidamente nas designações regionais das tonalidades helênicas (dórica, frígia etc.) e, da mesma forma, nas escalas indianas e na divisão árabe da quarta. Certos fenômenos das músicas helênica e árabe indicam um desenvolvimento, de origem instrumental variada, do sistema de distâncias sonoras, causado provavelmente, em sua origem, pela recepção de intervalos.
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No sistema sonoro'" helênico da época clássica a quarta estava dividida, como se sabe, ao lado da divisão diatônica executada pitagoricamente de acordo com a distância, também primeiramente em terça menor e dois semi tons (cromaticamente) e, em segundo lugar, em terça maior e dois quartos de tom (enarmonicamente). Os dois casos se caracterizavam, portanto, pela eliminação do tom inteiro. É altamente improvável que, em ambos os casos, tenha se tratado da introdução de terças verdadeiras, de modo a restarem os dois passos de tom menores, ainda que, na verdade, precisamente estes dois modos tonais forneçam pela primeira vez o motivo para o cálculo harmonicamente correto da terça maior por Arquitas e da terça menor por Eratóstenes. Parece, pelo contrário, que se inverte precisamente o "pyknon": busca-se o cromatismo e a enarmonia como meio de expressão melódica. O stasimon em parte conservado na Orestia de Eurípedes, que ao que parece continha o pykna enarmônico, pertence, em versos dócmios, às mais apaixonadas e impressionantes estrofes da peça, e tanto as observações jocosas de Platão na Politeia quanto as observações contrárias de Plutarco, e finalmente também as observações tardias da época bizantina, demonstram que no problema da enarmonia estava em jogo um refinamento melódico. Na tradicionalmente elaborada (e válida como sagrada) heptagradação da oitava, a teoria fica então apenas com um passo de tom aumentado na quarta. Na música prática, a escala cromática e, posteriormente, enarmônica, foi introduzida muito provavelmente pelo aulos, que dava diferenças irracionais dos intervalos racionais, enumeradas ainda por Aristoxeno". Esta hipótese, análoga à tradição, foi ainda mais corroborada pelo fato de existir na Bósnia um instrumento semelhante ao aulos , que produz a escala "cromática" dos helenos, e igualmente também pelos instrumentos baleares que podem ser encontrados. Como no aulos, a formação cromática do som e, assim, a correção de intervalos irracionais, efetua-se também através do fechamento parcial dos orifícios - como em todas as músicas antigas que conheceram a flauta -; dessa maneira a produção de notas de schleife e intervalos intermediários e parciais ocorria de modo muito natural. Quando foram transportados estes intervalos da flauta para a cítara, procurou-se racionalizá-los, e disto resultou a controvérsia sobre a natureza dos intervalos de quarto e terço de tom, sempre levada adiante pelos teóricos posteriores. Seja como for, não se trata, de forma alguma, de um sistema de intervalos primitivo, pertencendo mesmo à música artística helênica. Segundo os papiros encontrados, este sistema de intervalos era desconhecido pelos etólios e pelas raças semelhantes sem cultura, e também a tradição considerava a escala cromática como mais jovem do que a escala diatônica, e a escala enarmônica de quartos de tom como o fenômeno mais recente, pertencente em especial às épocas clássica e pós-clássica, e que, se ainda era recusada pelos dois poetas trágicos mais velhos, já estava novamente em decadência no tempo de Plutarco (para seu pesar), Tanto as seqüências de sons cromáticas quanto as enarmônÍcas nada têm que ver, evidentemente do ponto de vista "tonal", com nosso conceito harmonicamente condicionado de "cromatismo", embora a origem das alterações cromáticas dos sons e sua recepção e legitimação harmônica no Ocidente retrocedam historicamente por completo às mesmas necessidades (como o pyklla dos helenos): em primeiro lugar para o abrandamento melodioso da dureza do diatonismo puro dos modos eclesiásticos, e posteriormente - no século XVI, que legitimou a maioria dos nossos sons cromáticos - para a representação dramática das paixões. Que as mesmas necessidades de expressão tenham conduzido, lá, a uma decomposição da tonalidade, e aqui (embora a teoria da Renascença considerasse o cromatismo como uma ressurreição dos modos tonais antigos, os quais estava disposta a recuperar) à criação da moderna tonalidade, repousa na estrutura muito divergente das músicas onde aquelas construções sonoras foram inseridas. Os novos sons cromáticos de separação foram construídos no tempo da Renascença como terças e quintas determinadas harmonicamente. Em comparação, os sons de separação helênicos são produtos de uma pura construção sonora de acordo com a distância, nascida exclusivamente do tratamento de interesses melódicos. Em todo caso, trata-se, ao lado dos intervalos helênicos de quarto de tom, de intervalos que pertenceram à música da Antiguidade tardia, em seus instrumentos de corda (segundo as observações de Bryennio sobre a Analysis organica), e que ainda pertencem à música do Oriente - ainda que essencialmente (ou originariamente) como "sons de ligação".
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Ao lado destes muito comentados quartos de tom helênicos, os "terços de tom" árabes - 17 em cada oitava - desempenharam, a partir dos trabalhos de Villoteau e Kiesewetter , um papel bastante controverso na história da música. Pelas novas análises da teoria musical árabe de Collangettes, dever-se-ia imaginar sua origem da seguinte maneira: a escala anterior ao século X compunha-se, segundo a hipótesede Collangettes, de 9 sons na oitava (10 com a inclusão da oitava superior do som inicial), p. ex. c, d, e bemol, e, f, g, a bemol, a, b bemol, c', compreendida como duas quartas unidas pelo som f, ao lado das quais estava um passo de tom diazêu-ti co (si bemol-dó). Esta pura divisão das oitavas, afinada pitagoricamente, remonta seguramente à influência helênica, só que di vide a quarta, além de por meio do tonos e do dítono de baixo, também mediante o tonos de cima. Os instrumentos árabes antigos, sobretudo os que derivam da gaita, presente entre os nômades, provavelmente nunca se submeteram sem dificuldade a essa escala, pois a tendência dos tempos subseqüentes foi geralmente possuir uma outra terça ao lado da pitagórica; além disso, o racionalismo dos reformadores da música, proveniente da teoria matemática, trabalhou sem cessar e das formas mais variadas no ajustamento das discrepâncias resultantes da assimetria da oitava. Trataremos dos produtos deste último mais tarde, e falaremos aqui apenas brevemente do primeiro. O alaúde (a palavra é árabe) foi o portador do desenvolvimento extensivo e intensivo da escala, pois era, o instrumento utilizado pelos árabes na Idade Média, para a fixação dos intervalos, do mesmo modo que a cítara entre os helenos, o monocórdio no Ocidente e a flauta de bambu na China. O alaúde possuía, segundo a tradição, inicialmente 4, depois 5 cordas, cada uma afinada uma quarta acima que a anterior, e cada uma com a extensão de uma quarta, e dividida, entre os tons inteiros da quarta, na afinação pitagórica, por 3 sons intermediários obtidos racionalmente: tom inteiro superior e inferior e dítono inferior (por conseguinte, p. ex.: dó, ré, mi bemol, mi, fá na afinação pitagórica). Uma parte desses intervalos era provavelmente empregada de modo ascendente, outra de modo descendente. Se a teoria classificava todos os sons em uma mesma oitava, obtia como resultado os 12 sons cromáticos pitagoricamente determinados. Posteriormente, quando o intervalo central (mi bemol) recebeu, por um lado através dos persas, e por outro, do reformador da música Zalzal, uma determinação irracional duplamente variada, e quando um desses intervalos irracionais em luta conseguiu se impor, inicialmente no alaúde, ao lado do intervalo diatônico, isso resultou na existência de um intervalo a mais em cada uma das 5 quartas; obteve-se, portanto, um aumento dos sons cromáticos de 12 para 17 em uma mesma oitava. Na distribuição prática dos trastos do alaúde parecem ter sido empregados promiscuamente, entre os séculos X e XIII, os intervalos pitagóricos e as duas espécies de intervalos irracionais; estes foram classificados de tal modo na escala da oitava que as duas terças irracionais foram compreendidas entre mi bemol-mi e lá bemol-lá, e um leimma pitagórico (dítono contado a partir dos tons inteiros superiores fá ou respectivamente si bemol) entre dó-ré e fá-sol (como "sensíveis" - diríamos - em relação aos tons inteiros inferiores). Além disso, toda distância de semitom determinada em intervalos inteiramente irracionais - que correspondiam a uma das duas terças irracionais, portanto, em conjunto, 3 intervalos - foi absorvida, de modo que na quarta dó-fá originou-se a escala: dó, dó sustenido pitagórico, dó sustenido persa, dó sustenido zalzálico, ré, mi bemol pitagórico, mi persa, mi zalzálico, mi pitagórico, fá e analogamente na quarta fá-si bemol (dos quais naturalmente podia haver somente uma das três categorias de intervalos em uma melodia). Posteriormente, no século XIII, este desenvolvimento gerou frações e potenciações dos números 2 e 3 e determinou o círculo das quintas, de modo que cada uma das duas quartas continha a segunda e o dítono acima e abaixo (a quarta superior também continha a segunda abaixo) e, além disso, dois sons separados um do outro numa distância de segunda, sendo que o inferior distava em dois leimmata do tom inteiro inferior, de maneira que o superior distava do tom inteiro superior a distância de apótomo (igual a tom inteiro menos leimma) menos leimma; por exemplo: sol bemol pitagórico, sol bemol pitagórico mais leimma sol, lá bemol pitagórico, lá bemol pitagórico mais leimma lá, lá pitagórico, si bemol. O cálculo moderno sírio-arábico (M. Meschaka), que distingue 24 quartos de tom na oitava, divide, na verdade, se salientarmos os intervalos mais importantes na música, cada uma das duas quartas por um passo de tom inteiro (8/9), que é igual a quatro "quartos de tom", e fixa dois "passos de três-quartos de tom" diferentes, 11/12 e 81/88, que são ambos iguais a três "quartos de tom", Estes sete intervalos, empregados mais freqüentemente na música prática, representam assim a segunda, a velha terça zalzálica (8/9 x 11/12 = 22/27), a quarta, a quinta, a sexta zalzálica (igual a uma quarta sobre a terça zalzálica), e a sétima menor como som final da quarta superior, de modo que dali restava o passo de tom inteiro diazêutico até a oitava superior. Mas de qualquer modo trata-se nestes casos, nos "quartos" ou "terços" de tom, de intervalos de origem na verdade não harmônica, mas que por outro lado não são como nós os conheceremos mais tarde nas distâncias "temperadas" - sempre de fato "igualmente" grandes entre si, embora a teoria indique a tendência de os considerar, em primeiro lugar, como uma espécie de denominadores gerais de acordo com a distância e, em segundo lugar, como o "átomo" musical, por assim dizer, do "ainda audível com precisão", do qual Platão troçava. O mesmo vale para o cálculo do sruti na música artística indiana, com 22 graus pretensamente "iguais" na oitava, onde o tom inteiro maior é fixado igual a 4 sruti, o menor igual a 3 e o semi tom igual a 277. Também estes pequenos intervalos são um produto da imensa abundância de distâncias melódicas variadas entre si que a diferenciação local das escalas produziu.
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A divisão chinesa da oitava em 12 lü, que são pensados como iguais, mas que não são realmente tratados assim, nada mais é do que a interpretação teórica inexata dos intervalos diatônicos empregados praticamente, formados segundo o círculo das quintas. Talvez ela seja historicamente o produto da coexistência de instrumentos afinados racionalmente - como o king - e irracionalmente, A idéia de reconduzir o material sonoro às distâncias mínimas de mesmo tamanho aproxima-se, sem dúvida - como ainda veremos mais tarde -, do caráter melódico puro das músicas que não conhecem a harmonia de acordes e que, por isso, também em princípio não possuem nenhum limite estabelecido no modo de medição de seus intervalos e de sua divisão para baixo. Pois, em toda parte, na música racionalizada não acordicamente o princípio melódico da distância e o princípio harmônico da divisão lutam entre si. Apenas as quintas e quartas e sua diferença, o tom inteiro, são produtos puros do último, ao contrário das terças, que por quase toda parte aparecem como intervalo melódico relativo à distância. Testemunham isso o velho "tanbur" árabe de Khoussan, que era afinado no som inicial, segunda, quarta, quinta, oitava, nona; a cítara dos helenos, afinada, segundo a tradição, no som inicial, quarta, quinta e oitava; e a pura e simples denominação, na China, da quinta e quarta como distâncias "maior e menor". Tanto quanto se sabe, por toda parte onde se encontra a quinta e a quarta e onde não ocorreu nenhuma alteração especial no sistema sonoro, também a segunda maior é empregada como distância melódica predominante; seu significado muito universal, por conseguinte, baseia-se por toda parte em sua proveniência harmônica - que decerto não é outra coisa senão uma afinidade sonora helmholtziana. Em todo caso, ela tem, genericamente falando, prioridade frente à terça harmônica. O dítono, a distância melódica de terça, não é de modo nenhum "não natural". Parece haver casos excepcionais em que também hoje o solista ainda cai do passo harmônico de terça para o dítono pitagórico de acordo com a distância, em uma situação determinada apenas melodicamente. Que, na Antiguidade helênica, a terça, não obstante seu cálculo harmonicamente correto, realizado já por Arquitas (portanto no tempo de Platão) e posteriormente por Dydimos" (que também distinguiu corretamente os dois passos de tom inteiro) e Ptolomeu, todavia não tenha desempenhado um papel revolucionário no sentido da harmonia, como ocorreu no desenvolvimento da música do Ocidente, mas sim algo análogo à descoberta do sistema geocêntrico e das qualidades técnicas da força a vapor - tenha permanecido propriedade dos teóricos, deve-se ao caráter da música antiga. inteiramente orientado pelas distâncias sonoras e pelas seqüências melódicas de intervalos, o que, na prática, deixava a terça aparecer como dítono.
Max Weber (1864-1920)






