
Platão. As Leis, incluindo Epinomis. Trad. E. Bini. São Paulo: Edipro, 2010
Livro II
653d - O ATENIENSE - Ótimo. E prosseguindo notaremos que essas formas de treinamento infantil, que consistem na correta disciplina dos prazeres e das dores, se afrouxam e se debilitam numa grande medida ao longo da vida humana; assim, os deuses, compadecidos pela espécie humana deste modo nascida para a miséria, instituíram os banquetes de ação de graças como períodos de trégua em relação às vicissitudes humanas; e à humanidade conferiram como companheiros de seus banquetes as Musas, Apolo, o mestre da música e Dionísio para que pudessem, ao menos, restabelecer suas formas de disciplina se reunindo em seus banquetes aos deuses. Devemos considerar, portanto, se o argumento que apresentamos neste momento tem fundamento na natureza ou diferentemente. O que ele assevera é que, quase sem exceção, todos os indivíduos jovens são incapazes de conservar seja o corpo seja a língua imóveis, estando tais jovens sempre procurando incessantemente se moverem e gritarem, saltando, pulando e se deliciando com danças e jogos, além de produzirem ruídos de todo naipe. Ora, enquanto todos os outros animais carecem de qualquer senso de ordem ou desordem nos seus movimentos (o que chamamos de ritmo e harmonia), a
nós os próprios deuses, que se prontificaram como já o dissemos em serem nossos companheiros na dança, concederam a agradável percepção do ritmo e da harmonia, por meio do que nos fazem nos mover e condizer nossos coros, de modo que nos ligamos mutuamente mediante canções e danças; e o nome coro provém do jubilo que dele extraímos. Deveremos nós aceitar esse argumento para termos com o que começar, e postular que a educação deve sua origem a Apolo e às Musas?
CLÍNIAS – Sim.
O ATENIENSE – Poderemos supor que o homem não-educado não conta com o treinamento nos corais e que o educado conta inteiramente com tal treinamento?
CLÍNIAS – Certamente.
O ATENIENSE – O treinamento nos corais, como um todo, inclui, é claro, tanto a dança quanto as canções.
CLÍNIAS – Não há dúvida.
O ATENIENSE – E portanto o homem bem educado terá a capacidade tanto de cantar quanto de dançar bem.
CLÍNIAS – Evidentemente.
O ATENIENSE – Consideremos agora o que sugere essa nossa última afirmação.
CLÍNIAS – Que afirmação?
O ATENIENSE – Nossas palavras são: “ele canta bem e dança bem” – devemos ou não devemos ajuntar: “...contanto que cante belas canções e dance belas danças?”
CLÍNIAS – Penso que devemos ajuntar isso.
O ATENIENSE – E se, tomando o belo pelo belo, e o feio pelo feio, ele os encarar segundo este critério? Consideraremos um tal indivíduo como melhor treinado nos corais e na música quando se revele sempre capaz tanto nos gestos como na voz de representar adequadamente aquilo que concebe ser belo, embora não sinta nem o deleite da beleza, nem o ódio da disformidade – ou quando, muito embora não plenamente capaz de representar sua concepção acertadamente mediante a voz e os gestos, ele ainda assim se mantém genuíno em seus sentimentos de dor e prazer, acolhendo tudo que é belo e repelindo tudo que não é belo?
CLÍNIAS - Há uma enorme diferença entre os dois casos, estrangeiro, no que diz respeito à educação.
O ATENIENSE – Se, então, nós três discernimos no que consiste a beleza relativamente a dança e a canção, também saberemos discernir entre quem é e quem não é corretamente educado; mas sem este conhecimento nunca seremos capazes de discernir se existe qualquer salvaguarda para a educação ou onde eka deve ser encontrada. Não é assim?
802a-d: O ATENIENSE - Quanto aos cantos e as danças será nos seguintes moldes que deverão ser organizados. Entre as composições dos antigos existem muitas excelentes peças musicais, bem como danças, entre as quais é possível selecionarmos sem maiores hesitações aquelas que mais se ajustam e mais convêm à constituição que estamos fundando. Para se encarregarem do mister da seleção escolheremos homens de idade não inferior a cinqüenta anos; qualquer que seja a canção antiga aprovada, será adotada por nós, como toda aquela que não conseguir atingir o nosso padrão ou for absolutamente inadequada será ou inteiramente rejeitada ou revisada e remodelada. Para esta tarefa convocaremos poetas e músicos para atuarem como conselheiros e emprestarem sua capacidade ao trabalho, sem entretanto, nos fiarmos em seus gostos e desejos a não ser excepcionalmente (...) na verdade, toda criação musical sem uma ordenação regular se torna, quando regulamentada, mil vezes melhor, mesmo que sua melosidade não seja eliminada: toda criação musical proporciona prazer, já que se uma pessoa for educada desde a infância até a idade adulta e da razão ouvindo música sóbria e regrada detestará o tipo oposto, chamando-o de vulgar, enquanto que se tiver sido educada convivendo com o tipo ordinário e meloso da música, declarará ser o tipo contrário frio e desagradável. Daí, como o dissemos há pouco, no tocante ao prazer ou desprazer que produzem, nenhum tipo sobrepuja o outro: a superioridade consiste no fato de que um tipo torna aqueles que foram nele educados melhores, o outro, piores.





