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Crítica da Faculdade do Juízo. Trad Valério Rohden e António Marques. Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária, 2010

 

§16-17; 50-53                      

 

 

 

§16. O Juízo de gosto, pelo qual um objeto é declarado belo sob a condição de um conceito determinado, não é puro.

 

Há duas espécies de beleza: a beleza livre (pulchritudo vaga) e a beleza simplesmente aderente (pulchritudo adhaerens). A primeira não pressupõe nenhum conceito do que o objeto deva ser; a segunda pressupõe um tal conceito e a perfeição do objeto segundo o mesmo. Os modos da primeira chamam-se belezas (por si subsistentes) desta ou daquela coisa; a outra, como aderente a um conceito (beleza condicionada), é atribuída a objetos que estão sob um conceito de um fim particular.

 

Flores são belezas naturais livres. Que espécie de coisa uma flor deva ser, dificilmente o saberá alguém além do botânico; e mesmo este, que no caso conhece o órgão de fecundação da planta, se julga a respeito através do gosto não toma em consideração este fim da natureza. Logo, nenhuma perfeição de qualquer espécie, nenhuma conformidade a fins interna, à qual se refira a composição do múltiplo, é posta a fundamento deste juízo. Muitos pássaros (o papagaio, o colibri, a ave-do-paraíso), uma porção de crustáceos do mar são belezas por si, que absolutamente não convêm a nenhum objeto determinado segundo conceitos com o respeito a seu fim, mas aprazem livremente e por si. Assim, os desenhos à la grecque, a folhagem para molduras ou sobre papel de parede, etc., por si não significam nada; não representam nada, nenhum objeto sob um conceito determinado, e são belezas livres. Também se pode computar como da mesma espécie o que na música denominam-se fantasias (sem tema), e até a inteira música sem texto.

 

No ajuizamento de uma beleza livre (segundo a mera forma), o juízo de gosto é puro. Não é pressuposto nenhum conceito de qualquer fim, para o qual o múltiplo deva servir ao objeto dado e o qual este último deva representar, mediante o que unicamente seria limitada a liberdade da faculdade da imaginação, que na observação da figura por assim dizer joga.

 

No entanto, a beleza de um ser humano ( e dentro desta espécie a de um homem ou uma mulher ou um filho), a beleza de um cavalo, de um edifício (como igreja, palácio, arsenal ou casa de campo) pressupõe um conceito do fim que determina o que a coisa deva ser, por conseguinte um conceito de sua perfeição, e é, portanto, beleza simplesmente aderente. Ora, assim como a ligação do agradável (da sensação) à beleza, que propriamente só concerne à forma, impedia a pureza do juízo de gosto, assim a ligação do bom (para o qual, a saber, o múltiplo é bom com espeito à própria coisa segundo o seu fim) à beleza prejudica a pureza do mesmo.

 

Poder-se-ia colocar em um edifício muita coisa que aprazeria imediatamente na intuição, desde que não se tratasse de uma igreja; poder-se-ia embelezar uma figura com toda sorte de floreados e com linhas leves porém regulares, assim como o fazem os neozelandeses com sua tatuagem, desde que não se tratasse de um homem; e este poderia ter traços muito mais finos e uma fisionomia com um perfil mais aprazível e suave, desde que ele não devesse representar um homem ou mesmo um guerreiro.

 

Ora, a complacência do múltiplo em uma coisa, em referência ao fim interno que determina sua possibilidade, é uma complacência fundada sobre um conceito; a complacência na beleza é, porém, tal que não pressupõe nenhum conceito, mas está ligada imediatamente à representação pela qual o objeto é dado (não pela qual ele é pensado). Ora, se o juízo de gosto a respeito da última complacência é tornado dependente do fim na primeira, enquanto juízo da razão, e assim é limitado, então aquele não é mais um juízo de gosto livre e puro.

 

Na verdade, o gosto lucra por essa ligação da complacência estética à complacência intelectual no fato de que ele é fixado; ele com certeza, não é universal, não obstante possam ser-lhe prescritas regras com respeito a certos objetos determinados conformemente a fins. Mas estas, por sua vez, tampouco são regras de gosto, e sim meramente, do acordo do gosto com a razão, isto é, do belo com o bom, pelo qual o belo é utilizável como instrumento da intenção com respeito ao bom, para submeter aquela disposição do ânimo – que se mantém a si própria e é de validade universal subjetiva – àquela maneira de pensar que somente pode ser mantida através de penoso esforço, mas é válida universal e objetivamente. Propriamente, porém, nem a perfeição lucra através da beleza, nem a beleza através da perfeição; mas visto que, quando mediante um conceito comparamos a representação, pela qual um objeto nos é dado, com o objeto (com respeito ao que ele deva ser), não se pode evitar de ao mesmo tempo compará-la com a sensação no sujeito, assim, quando ambos os estados de ânimo concordam entre si, lucra a inteira faculdade da representação. 

 

Um juízo de gosto seria puro com respeito a um objeto de fim interno determinado somente se o julgante não tivesse nenhum conceito desse fim ou se abstraísse dele em seu juízo. Mas este, então, conquanto proferisse um juízo-de-gosto correto enquanto ajuizasse o objeto como beleza livre, seria contudo censurado e culpado de um juízo falso pelo outro que contempla a beleza nele somente como qualidade aderente (presta atenção ao fim do objeto), se bem que ambos julguem corretamente a seu modo: um, segundo o que ele tem diante dos sentidos o outro, segundo o que ele tem no pensamento. Através desta distinção pode-se dissipar muitas dissenção dos juízos do gosto sobre a beleza, enquanto se lhes mostra que um considera a beleza livre e o outro a beleza aderente; o primeiro profere um juízo-de-gosto puro e o segundo, um juízo-de-gosto aplicado.

 

§17. Do ideal da beleza

 

Não pode haver nenhuma regra de gosto objetiva, que determine através de conceitos o que seja belo. Pois todo juízo proveniente desta fonte é estético; isto é, o sentimento do sujeito, e não o conceito de um objeto, é seu fundamento determinante. Procurar umj princípio do gosto, que forneça o critério universal do belo através de conceitos determinados, é um esforço infrutífero, porque o que é procurado é impossível e em si mesmo contraditório. A comunicabilidade universal da sensação (da complacência ou descomplacência), e na verdade uma tal que ocorra sem conceito, a unanimidade, o quanto possível, de todos os tempos e povos com respeito a este sentimento na representação de certos objetos, é o critério empírico, se bem que fraco e suficiente apenas para a suposição da derivação de um gosto, tão confirmado por exemplos, de profundamente oculto fundamento comum [gemeinschaftlichen] a todos os homens, da unanimidade no ajuizamento das formas sob as quais lhes são dados objetos.

 

Por isso, se consideram alguns produtos de gosto como exemplares: não como se o gosto possa ser adquirido enquanto ele imita a outros. Pois o gosto tem que ser uma faculdade mesmo própria; quem, porém, imita um modelo, na verdade mostra, na medida em que o encontra, habilidade, mas gosto ele mostra somente na medida em que ele mesmo pode ajuizar esse modelo.

 

Disso segue-se, porém, que o modelo mais elevado, o original [urbild] do gosto é uma simples idéia que cada um tem de produzir em si próprio e segundo a qual ele tem que ajuizar tudo o que é objeto do gosto, o que é exemplo do ajuizamento pelo gosto e mesmo o gosto de qualquer um. Idéia significa propriamente um conceito da razão; e ideal, a representação de um ente individual como adequado a uma idéia. Por isso, aquele original do gosto – que certamente repousa sobre a idéia indeterminada da razão de um máximo, e, no entanto não pode ser representado mediante conceitos, mas somente em apresentação individual – pode ser melhormente chamado o ideal do belo, de modo que, se não estamos imediatamente de posse dele, contudo aspiramos a produzi-lo em nós. Ele, porém, será simplesmente um ideal da faculdade da imaginação, justamente porque não repousa sobre conceitos, mas sobre a apresentação; a faculdade de apresentação porém é a imaginação. Ora, como chegamos a uma tal ideal da beleza? A priori ou empiricamente? E do mesmo modo, que gênero de belo é capaz de um ideal?

 

Em primeiro lugar, cabe observar que a beleza, para a qual deve ser procurado um ideal, não tem que ser nenhuma beleza vaga, mas uma beleza fixada por um conceito de conformidade a fins objetiva; consequentemente, não tem que pertencer a nenhum objeto de um juízo de gosto totalmente puro, mas ao de um juízo de gosto em parte intelectualizado. Isto é, seja em que espécie de fundamentos do ajuizamento um ideal deva ocorrer, tem que jazer à sua base alguma idéia da razão segundo conceitos determinados, que determina a priori o fim sobre o qual a possibilidade interna do objeto repousa. Um ideal de flores belas, de um mobiliário belo, de um belo panorama não pode ser pensado. Mas tampouco se pode representar o ideal de uma beleza aderente a fins determinados, por exemplo, de uma bela residência, de uma bela árvore, de um belo jardim, etc.; presumivelmente porque os fins não são suficientemente determinados e fixados pelo seu conceito, consequentemente a conformidade a fins é quase tão livre como na beleza vaga. Somente aquilo que tem o fim de sua existência em si próprio – o homem, que pode determinar ele próprio seus fins pela razão -, ou onde necessita tomá-los da percepção externa, todavia, pode compará-los aos fins essenciais e universais e pode então ajuizar também esteticamente a concordância com esses fins; este homem é, pois capaz de um ideal de beleza, assim como a humanidade em sua pessoa, enquanto inteligência, é, entre todos os objetos do mundo, a única capaz do ideal de perfeição.

 

A isso, porém, pertencem dois elementos: primeiro, a idéia normal estética, a qual é uma intuição singular (da faculdade da imaginação), que representa o padrão de medida de seu ajuizamento, como de uma coisa pertencente a uma espécie [spezies] animal particular; segundo, a idéia da razão, que faz dos fins da humanidade, na medida em que não podem ser representados sensivelmente, o princípio do ajuizamento de sua figura, através da qual aqueles se revelam como sem efeito no fenômeno. A idéia normal tem que tomar da experiência os seus elementos. Para a figura de um animal de espécie [gattung] particular; mas a máxima conformidade a fins na construção da figura, que seria apta para padrão de medida universal do ajuizamento estético de cada indivíduo desta espécie, a imagem, que residiu por assim dizer intencionalmente à base da técnica da natureza, e à qual somente a espécie no seu todo, mas nenhum indivíduo separadamente, é adequada, jaz contudo simplesmente na idéia do que ajuíza,  a qual, porém, com suas proporções como idéia estética pode ser apresentada inteiramente in concreto em um modelo [musterbild]. Para tornar em certa medida compreensível como isso se passa (pois quem pode sacar totalmente da natureza seu segredo?) queremos tentar uma explicação psicológica.

 

Deve-se observar que a faculdade da imaginação sabe, de um modo totalmente incompreensível a nós, não somente revocar os sinais de conceitos mesmo de longo tempo atrás, mas também reproduzir a imagem e a figura do objeto de um número indizível de objetos de diversas espécies ou também de uma e mesma espécie; e igualmente, se o ânimo visa comparações, ela, de acordo com toda a verossimilhança, se bem que não suficientemente para a consciência, sabe efetivamente como que deixa cair uma imagem sobre outra e, pela congruência das diversas imagens da mesma espécie, extrair uma intermediária, que serve a todas como medida comum. Alguém viu mil pessoas adultas do sexo masculino. Ora, se ele quer julgar sobre a estatura normal avaliável comparativamente, então (na minha opinião) a faculdade da imaginação superpõe um grande número de imagens (talvez todas aquelas mil); e, se me for permitido utilizar, neste caso, a analogia da apresentação ótica, é no espaço, onde a maior parte delas se reúne, e dentro do contorno, onde o lugar é iluminado pela mais forte concentração de luz, que se torna cognoscível a grandeza média que está igualmente afastada, tanto segundo a altura quanto a largura, dos limites extremos das estaturas máximas e mínimas; e esta é a estatura de um homem belo. Poder-se-ia descobrir a mesma coisa mecanicamente se se medissem todos os mil, somassem entre si suas altura e largura (e espessura) e se dividisse a soma por mil. Todavia, a faculdade da imaginação faz precisamente isto mediante um efeito dinâmico, que se origina na impressão variada de tais figuras sobre o órgão dos sentidos. Ora, se agora de modo semelhante procurar-se para este homem médio a cabeça média, para esta o nariz médio, etc, então esta figura encontra-se o fundamento da idéia normal do homem belo no país onde essa comparação for feita; por isso, sob essas condições empíricas, um negro necessariamente terá uma idéia normal da beleza da figura diversa da do branco e o chinês uma diversa da do europeu. Precisamente o mesmo se passaria com o modelo de um belo cavalo ou cão (de certa raça). Esta idéia normal não é derivada de proporções tiradas da experiência como regras determinadas; mas é de acordo com ela que regras de ajuizamento tornam-se pela primeira vez possíveis.  Ela é para a espécie inteira a imagem flutuante entre todas as intuições singulares e de muitos modos diversos dos indivíduos e que a natureza colocou na mesma espécie como protótipo de suas produções, mas parece não tê-lo conseguido inteiramente em nenhum indivíduo. Ela não é de modo algum o inteiro protótipo da beleza nesta espécie, mas somente a forma, que constitui a condição imprescindível de toda a beleza, por conseguinte simplesmente a correcção na exposição da espécie. Ela é como se denominava o famoso doríforo de Policleto,   a regra (precisamente para isso também podia ser utilizada na sua espécie a vaca de Miro). Precisamente por isso ela também não pode conter nada especificamente característico; pois de contrário não seria idéia normal para a espécie. A sua apresentação tão pouco apraz pela beleza, mas simplesmente porque não contradiz nenhuma condição, sob a qual unicamente uma coisa desta espécie pode ser bela. A apresentação é apenas academicamente correta.

 

A idéia normal de belo, todavia, se distingue ainda do ideal que se pode esperar unicamente na figura humana pelas razões já apresentadas. Ora, nesta o ideal consiste na expressão do moral, sem o qual o objeto não aprazeria universalmente e, além disso, positivamente (não apenas negativamente numa apresentação academicamente correta). A expressão visível de idéias morais, que dominam internamente o homem, na verdade somente pode ser tirada da experiência; mas tomar por assim visível na expressão corporal (como efeito do interior) a sua ligação a tudo o que a nossa razão conecta ao moralmente-bom na idéia da suprema conformidade a fins -- a benevolência ou pureza ou fortaleza ou serenidade, etc. -- requer idéias puras da razão e grande poder da faculdade da imaginação reunidos naquele que quer apenas ajuizá-las, e muito mais ainda naquele que quer apresentá-las. A correção de um tal ideal da beleza prova-se no fato de que ele não permite a nenhum atrativo dos sentidos misturar-se à complacência em seu objeto e, não obstante, inspira um grande interesse por ele; o que então prova que o ajuizamento segundo um tal padrão de medida jamais pode ser puramente estético e o ajuizamento  segundo um ideal da beleza não é nenhum simples juízo de gosto.

 

§50.  Da ligação do gosto com o gênio em produtos da bela arte.

 

Perguntar-se o que importa mais em assuntos da bela arte, que neles se mostre gênio  ou se mostre gosto, equivaleria a perguntar-se se neles importa mais a imaginação do que a faculdade do juízo. Ora, visto que uma arte em relação ao gênio merece ser ante s chamada uma arte rica de espírito, mas unicamente em relação ao gosto ela merece ser chamada uma bela arte, assim este último é, pelo menos, enquanto condição indispensável (conditio sine qua non), o mais importante que se tem de considerar no ajuizamento arte como bela arte. Ser rico e original em idéias não é tão necessário para a beleza quanto para a conformidade daquela faculdade da imaginação, em sua liberdade, à legalidade do entendimento. Pois toda a riqueza da primeira faculdade não produz, em sua liberdade sem leis, senão disparates; a faculdade do juízo, ao contrário, é a faculdade de ajustá-la ao entendimento.

O gosto é, assim como a faculdade do juízo em geral, a disciplina (ou cultivo) do gênio, corta-lhe muito as asas e torna-o morejado e polido; ao mesmo tempo, porém, lhe dá uma direção sobre o que e até onde ele deve estender-se para permanecer conforme a fins; e na medida em que ele introduz clareza e ordem na profusão de pensamentos, torna as idéias consistentes, capazes de uma aprovação duradoura e ao mesmo tempo universal, da sucessão de outros e de uma cultura sempre crescente. Se, portanto, no conflito de ambas as espécies de propriedades algo deve ser sacrificado em um produto, então isto terá que ocorrer antes do lado do gênio; e a faculdade do juízo, que sobre assuntos da bela arte profere a sentença a partir de princípios próprios, permitirá prejudicar antes a liberdade e a riqueza da faculdade da imaginação do que o entendimento.

 

Portanto, para a arte bela seriam requeridos faculdade da imaginação, entendimento, espírito e gosto.

 

§51. Da divisão das belas-artes

 

Pode-se em geral denominar a beleza (quer ela seja beleza da natureza ou da arte) de expressão de idéias estéticas, só que na arte bela esta idéia tem que ser ocasionada por um conceito do objeto; na natureza bela, porém, a simples reflexão sobre uma intuição dada, sem conceito do que o objeto deva ser, é suficiente para despertar e comunicar a idéia, da qual aquele objeto é considerado a expressão.

 

Portanto, se queremos dividir as belas-artes, não podemos pelo menos como tentativa escolher para isso nenhum princípio mais cômodo que o da analogia da arte como o modo de expressão, de que homens se servem no falar para comunicarem-se entre si tão perfeitamente quanto possível, isto é, não simplesmente segundo conceitos mas também segundo as suas sensações. Este modo de expressão consiste na palavra, no gesto, e no som (articulação, gesticulação e modulação). Somente a ligação deste três modos de expressão constitui a comunicação completa do falante. Pois pensamento, intuição e sensação são assim simultânea e unificadamente transmitidos aos outros.

 

Há pois somente três espécies de belas-artes: as elocutivas, as figurativas e a arte do jogo das sensações (enquanto impressões externas dos sentidos). Poder-se-ia ordenar esta divisão também dicotomicamente, de modo que a bela arte seria dividida na da expressão dos pensamentos ou das intuições, e esta, por sua vez, simplesmente segundo a sua forma ou sua matéria (da sensação). Todavia ela pareceria então demasiado abstrata e não tão adequada aos conceitos comuns.

 

1) As artes elocutivas são eloquência e poesia.  Eloquência é a arte de exercer um ofício do entendimento como um jogo livre da faculdade da imaginação; poesia é a arte de executar um jogo livre da faculdade da imaginação como um ofício do entendimento.

O orador, portanto, anuncia um ofício e executa-o como se fosse simplesmente um jogo com idéias para entreter os ouvintes. O poeta simplesmente anuncia um jogo que entretém com idéias e do qual contudo se manifesta tanta coisa para o entendimento, como se ele tivesse simplesmente tido a intenção de estimular o seu ofício. A ligação e harmonia de ambas as faculdades de conhecimento, da sensibilidade e do entendimento, que na verdade não podem dispensar-se uma à outra, mas tão-pouco permitem de bom grado unificar-se sem coerção e ruptura recíproca, tem que parecer não-intencional e assim parecer conformar-se espontaneamente; de contrário não é arte bela. Por isso todo o procurado e penoso tem que ser aí evitado, pois arte bela  tem que ser arte livre num duplo sentido: tanto no sentido de que ela não seja um trabalho enquanto atividade remunerada, cuja magnitude possa ser julgada, imposta ou paga segundo um determinado padrão de medida; como também no sentido de que o ânimo na verdade sinta-se ocupado, mas, sem com isso ter em vista um outro fim, sinta-se, pois (independentemente de remuneração), satisfeito e despertado.

 

Portanto, o orador na verdade dá algo que ele não promete, a saber, um jogo que entretém a imaginação; mas ele também deixa de cumprir algo que ele promete e que é, pois, o seu anunciado ofício, a saber, ocupar o entendimento conforme um fim. O poeta, ao contrário, promete pouco e anuncia um simples jogo com idéias, porém realiza algo que é digno de um ofício, ou seja, proporcionar ludicamente alimento para o entendimento e mediante a faculdade da imaginação dar vida aos seus conceitos; por conseguinte, aquele no fundo realiza menos e este mais do que promete.

 

2) As artes figurativas ou as da expressão por idéias na intuição dos sentidos (não por representações da simples faculdade da imaginação, que são excitadas por palavras) são ou as da verdade dos sentidos ou as da aparência dos sentidos. A primeira chama-se plástica [Plastik], a segunda pintura [Malerei]. Ambas formam figuras no espaço, para a expressão por idéias: aquela dá a conhecer figuras por dois sentidos, a vista e o tato (embora pelo último não com vista à beleza); a segunda,  somente pela primeira. A idéia estética (archetypon, modelo) encontra-se como fundamento de ambas na faculdade da imaginação, porém a figura que constitui a expressão das mesmas (ektypon, cópia) é dada ou em sua extensão corporal (como o próprio objeto existe) ou segundo o modo como esta se pinta no olho (segundo a sua aparência em uma superfície); ou, então, embora se trate também do primeiro caso, ou a referência a um fim efetivo ou somente a aparência dele é tornada condição da reflexão.

 

À plástica, como primeira espécie de artes belas figurativas, pertencem a escultura [Bildhauerkunst] e a arquitetura [Baukunst]. A primeira é aquela que apresenta corporalmente conceitos de coisas como elas poderiam existir na natureza (todavia enquanto bela arte com vista à conformidade a fins estética); a segunda é a arte de apresentar conceitos de coisas que somente pela arte são possíveis, e cuja forma, não tem como fundamento determinante a natureza mas um fim arbitrário, com este propósito contudo ao mesmo tempo esteticamente conforme a fins. Na última o principal é um certo uso do objeto artístico a cuja condição as idéias estéticas são limitadas. Na primeira, o objetivo principal é a simples expressão de idéias estéticas. Assim estátuas de homens, de deuses, de animais, etc., são da primeira espécie; mas templos ou edifícios suntuosos para fins de assembléias públicas, ou também casas, arcos honoríficos, colunas, mausoléus, etc., erigidos como monumentos comemorativos, pertencem à arquitetura. Com efeito, todo o mobiliário (o trabalho do marceneiro e outras coisas semelhantes para o uso) podem ser além disso computado, porque a conformidade do produto a um certo uso constitui o essencial de uma obra de construção; contrariamente, uma simples obra de figuração, que é feita apenas para ser olhada e deve aprazer por si própria, enquanto apresentação corporal, é simples imitação da natureza, todavia atendendo a idéias estéticas, quando então a verdade dos sentidos não pode ir tão longe, ao ponto de deixar de aparecer como arte e produto do arbítrio.

 

A arte pictórica [Malerkunst], como segunda espécie de arte figurativa que apresenta a aparência sensível como artisticamente ligada a idéias, eu dividi-la-ia em arte da descrição bela da natureza e em arte da composição bela dos seus produtos. A primeira seria pintura propriamente dita; a segunda, a jardinagem ornamental. Pois a primeira dá só a aparência da extensão corporal; a segunda, sem dúvida a dá de acordo com a verdade, mas dá somente a aparência de utilização e uso para outros fins, enquanto simplesmente destinada ao jogo da imaginação na contemplação de suas formas[1]. A última não é outra coisa que a decoração do solo com a mesma variedade (relvas, flores, arbustos e árvores, mesmo riachos, colinas e vales) com que a natureza o expõe-no ao olhar, somente composta de modo diverso e conformemente a certas idéias. Mas a bela composição de coisas corporais também é dada somente para o olho, como a pintura; o sentido do tato não pode obter nenhuma representação intuitiva de tal forma. Na pintura, em sentido amplo, eu incluiria ainda a ornamentação dos aposentos com tapeçarias, adereços e todo o belo mobiliário, que serve só para a vista; do mesmo modo, a arte da indumentária segundo o gosto (anéis, tabaqueiras, etc.). Pois um canteiro com toda a espécie de flores, um aposento com toda a espécie de adornos (compreendido entre eles mesmo o luxo das damas), constituem em uma festa suntuosa uma espécie de pintura que, com as propriamente assim chamadas (que por assim dizer não têm a intenção de ensinar história ou conhecimento da natureza), está ai simplesmente para ser vista, para entreter a faculdade da imaginação no jogo livre com idéias e ocupar a faculdade do juízo estética sem um fim determinado. O saber técnico em todo esse ornamento pode ser mecanicamente muito distinto e requerer artistas totalmente diversos; todavia, o juízo de gosto sobre o que nessa arte é belo é sob esse aspecto determinado de modo uniforme: a saber, ajuizar somente as formas (sem consideração de um fim) da maneira como se oferecem ao olho, individualmente ou em sua composição segundo o efeito que elas produzem sobre a faculdade da imaginação. O modo, porém, como a arte figurativa possa ser computada como gesticulação em uma linguagem (segundo a analogia) é justificado pelo fato de que o espírito do artista dá através dessas figuras uma expressão corporal daquilo, que e como ele pensou, e faz a própria coisa como que falar mimicamente; o que é um jogo muito habitual de nossa fantasia, que atribui a coisas sem vida, conforme à sua forma, um espírito que fala a partir delas.

 

3) A arte do belo jogo das sensações (as quais são geradas externamente e o qual contudo tem que poder comunicar-se universalmente) não pode concernir senão à proporção dos diversos graus da disposição (tensão) do sentido ao qual a sensação pertence, isto é, ao seu som; e nesta significação ampla do termo ela pode ser dividida no jogo artístico das sensações, do ouvido e da vista, por conseguinte em música e arte das cores. É digno de nota que estes dois sentidos, com exceção da receptividade para sensações, na medida do que é requerido para obter por intermédio delas conceitos de objetos exteriores, são ainda capazes de uma sensação particular ligada a eles, sobre a qual não se pode decidir com certeza se ela tem por fundamento o sentido ou a reflexão; e que esta afectibilidade não obstante pode por vezes faltar, embora de resto o sentido, no que concerne a seu uso para o conhecimento dos objetos, não seja absolutamente falho, mas até especialmente fino, isto é, não se pode dizer com certeza se uma cor ou um tom (som) são simplesmente sensações agradáveis, ou se já se trata em si de um jogo belo de sensações e se, como tal, comporta, no ajuizamento estético, uma complacência na forma. Se se considera a rapidez das vibrações da luz ou, na segunda espécie, das vibrações do ar, que ultrapassa de longe toda a nossa faculdade ajuizar imediatamente na percepção a proporção da divisão do tempo por elas, então se deveria acreditar que somente o efeito desses estremecimentos sobre as partes elásticas de nosso corpo é sentido, mas que a divisão do tempo pelos mesmos não é notada e trazida a julgamento, por conseguinte que com cores e tons só se liga a amenidade e não a beleza da sua composição. Mas se, contrariamente, se considera primeiro aquilo que de matemático se deixa expressar sobre a proporção dessas vibrações da música e no seu ajuizamento, e se ajuíza o contraste das cores, como é justo, segundo a analogia com a última; segundo, se se consultam os exemplos, conquanto raros, de homens que com a melhor vista não puderam distinguir as cores do mundo e com o ouvido mais apurado não puderam distinguir os sons, do mesmo modo como para aqueles que o podem, a percepção de uma qualidade alterada (não simplesmente do grau de sensação) nas diversas intensidades da escala de cores ou sons e além disso o fato que o número das mesmas é determinado para diferenças concebíveis: então  poderíamos ver-nos coagidos a não considerar as sensações de ambos como simples impressão dos sentidos, mas como efeito de um julgamento da forma no jogo de muitas sensações. A diferença que uma ou outra opinião oferece no ajuizamento do fundamento da música somente mudaria a definição no fato de que a explicamos ou, como nós fizemos, como o jogo belo das sensações (pelo ouvido) ou como sensações agradáveis. Somente de acordo com o primeiro modo de explicação a música é representada inteiramente como bela arte; de acordo com o segundo, porém, como arte agradável (pelo menos em parte).

 

§52. Da ligação das belas-artes em um e mesmo produto.

 

A eloquência pode ligar-se a uma apresentação pictórica dos seus sujeitos também como objetos em um espetáculo; a poesia pode ligar-se à música no canto, este, porém, ao mesmo tempo à apresentação pictórica (teatral) numa ópera; o jogo das sensações em uma música pode ligar-se ao jogo das figuras na dança, etc. Também a apresentação do sublime, na medida em que pertence à arte bela, pode unificar-se com a beleza em uma tragédia rimada, em um poema didático, em um oratório; e nessas ligações a arte bela é ainda mais artística: se, porém também mais bela (já que se entrecruzam espécies diversas tão variadas de complacência), pode em alguns desses casos ser posto em dúvida. Pois em toda arte bela o essencial consiste na forma, que convém à observação e ao ajuizamento e cujo prazer é ao mesmo tempo cultura e dispõe o espírito, para idéias, por conseguinte o torna receptivo a prazeres e entretimentos diversos; não consiste na matéria da sensação (no atrativo ou na comoção), disposta apenas para o gozo, o qual não deixa nada à idéia, torna o espírito embotado, o objeto pouco a pouco repugnante e o ânimo insatisfeito consigo e instável, pela consciência da sua disposição adversa a fins no juízo da razão.

 

Se as belas-artes não são próxima ou remotamente postas em ligação com idéias morais, que unicamente comportam uma complacência independente, então o seu destino final é o apontado por último. Elas, então, servem somente para a dispersão, da qual sempre nos tornamos tanto mais carentes quanto mais nos servimos dela para afugentar o descontentamento do ânimo consigo próprio através de um tornar-se sempre ainda mais inúteis e descontentes com nós próprios. Em geral, as belezas da natureza são as mais suportáveis para o primeiro objetivo, se cedo nos habituamos a observá-las, ajuizá-las e admirá-las.

 

§53. Comparação do valor estético das belas-artes entre si.

 

Entre todas as artes a poesia (que deve sua origem quase totalmente ao gênio e é a que menos quer ser guiada por prescrição ou exemplos) ocupa a posição mais alta. Ela alarga o ânimo pelo fato de pôr em liberdade a faculdade da imaginação e de oferecer dentro dos limites de um conceito dado sob a multiplicidade ilimitada de formas possíveis concordantes com ele, aquela que conecta a sua apresentação com uma profusão de pensamentos, à qual nenhuma expressão linguística é inteiramente adequada, e, portanto, elevar-se esteticamente a idéias. Ela fortalece o ânimo enquanto permite sentir a sua faculdade livre, espontânea e independente da determinação da natureza, para contemplar e ajuizar a natureza como fenômeno segundo pontos de vista que ela não oferece por si na experiência nem ao sentido nem ao entendimento, e, portanto, para utilizá-la em vista e por assim dizer como esquema do supra-sensível. Ela joga com a aparência que ela produz à vontade, sem contudo através disso; pois declara a sua própria ocupação como simples jogo, que no entanto, pode ser utilizado conformemente a fins pelo entendimento e seu ofício. A eloquência, na medida em que por ela se entende a arte de persuadir, isto é, de iludir pela bela aparência (como ars oratoria), e não um simples falar bem (eloquência e estilo), é uma dialética que somente toma emprestado da poesia o quanto seja necessário para, antes do ajuizamento, ganhar os ânimos para o orador e em seu benefício, tirando-lhe a liberdade; portanto não pode ser recomendada nem para os limites do tribunal nem para os púlpitos. Pois se se trata de leis civis, do direito de pessoas individuais ou de ensinamento duradouro e determinação dos ânimos ao conhecimento correto e à conscienciosa observância do seu dever, então está aquém da dignidade de um ofício tão importante deixar ver sequer um vestígio de exuberância do engenho e da faculdade da imaginação, mas mais ainda da arte de persuadir e de tirar proveito para qualquer um. Pois embora ela por vez possa ser empregada para objetivos em si legítimos e louváveis, ela contudo torna-se censurável pelo fato de que desse modo as máximas e disposições são subjetivamente pervertidas, embora o ato seja objetivamente conforme à lei; nesta medida não basta fazer o que é justo, mas executá-lo também pela única razão de que é justo. Já o simples conceito claro destas espécies de assuntos humanos, ligado a uma apresentação viva através de exemplos e sem infração das regras de eufonia da língua ou da conveniência da expressão para idéias da razão (que conjuntamente constituem a arte de falar bem), possui em si  influência suficiente sobre os ânimos humanos para que ainda fosse preciso instalar aí as máquinas da persuasão, que, uma vez que podem ser usadas tanto para o embelezamento como para o encobrimento do vício e do erro, não podem eliminar completamente a secreta suspeita de um ardil da arte. Na poesia tudo se passa honrada e lealmente. Ela declara querer estimular um simples jogo de entretimento com a faculdade da imaginação, e na verdade formalmente de acordo com as leis do entendimento; e não pretende colher de surpresa e enredar o entendimento através da exposição sensível[2].

 

Depois da poesia, se o que importa é o movimento do ânimo, eu poria aquela que entre as artes elocutivas mais se lhe aproxima e assim também permite unificar-se muito naturalmente come ela, a saber, a arte do som [Tonkunst]. Pois embora ela fale por meras sensações sem conceitos, por conseguinte não deixa como a poesia sobrar algo para a reflexão, ela contudo move o ânimo de modo mais variado e, embora só passageiro, no entanto mais íntimo; mas ela é certamente mais gozo que cultura (o jogo de pensamento, que incidentemente é com isso suscitado, é simplesmente o efeito de uma associação por assim dizer mecânica); e, ajuizada pela razão, possui valor menor que qualquer outra das belas artes. Por isso ela reivindica, como todo  gozo, alternância mais frequente e não suporta a repetição reiterada sem produzir tédio. O seu atrativo, que se deixa comunicar tão universalmente, parece repousar sobre o fato que cada expressão da linguagem possui no conjunto um som que é adequado ao seu sentido; que este som mais ou menos denota um afeto do falante e reciprocamente também o produz no ouvinte, que então inversamente incita também neste a idéia que é expressa na linguagem com tal som; e que, assim como a modulação é por assim dizer uma linguagem universal das sensações compreensível a cada homem, a arte do som exerce por si só esta linguagem em sua inteira ênfase, a saber, como linguagem dos afetos, e assim comunica universalmente segundo a lei da associação as idéias estéticas naturalmente ligadas a elas; mas que, pelo fato de aquelas idéias estéticas não serem nenhum conceito e pensamento determinado, a forma da composição destas sensações (harmonia e melodia) serve somente, como forma de uma linguagem para, mediante uma disposição proporcionada das mesmas (a qual pode ser submetida matematicamente a certas regras, porque nos sons ela assenta sobre a relação do número das vibrações de ar no mesmo tempo, na medida em que os sons são ligados simultânea ou também sucessivamente), expressar a idéia estética de um todo coerente de uma indizível profusão de pensamentos, conforme a um certo tema, que constitui na peça o afeto dominante. A esta forma matemática, embora não representada por conceitos determinados, unicamente se prende o complacência que a simples reflexão conecta - acerca de um tão grande número de sensações que se acompanham ou sucedem umas às outras - com este jogo delas como condição da sua beleza, válida para qualquer um; e somente segundo ela o gosto pode arrogar-se um direito de pronunciar-se antecipadamente sobre o juízo de qualquer um.

 

Mas no atrativo e no movimento do ânimo, que a música [Musik] produz, a matemática não tem certamente a mínima participação; ela é somente a condição indispensável (conditio sine qua non) daquela proporção das impressões, tanto em sua ligação como na sua mudança, pela qual se torna possível compreendê-las e impedir que elas se destruam mutuamente, mas concordem com um movimento contínuo e uma vivificação do ânimo através de afetos consonantes com eles e assim concordem com uma agradável autofruição.

 

Se contrariamente se apreciar o valor das belas-artes segundo a cultura que elas proporcionam ao ânimo e tomar como padrão de medida o alargamento das faculdades que na faculdade do juízo têm de concorrer para o conhecimento, então a música possui entre as belas artes o último lugar (assim como talvez o primeiro entre aquelas que são aprecia das simultaneamente segundo a sua amenidade), porque ela joga simplesmente com sensações. Sob este aspecto, portanto, as artes figurativas precedem-na de longe; pois enquanto elas conduzem a faculdade da imaginação a  um jogo livre e contudo ao mesmo tempo conforme ao entendimento, incitam ao mesmo tempo a um ofício na medida em que realizam um produto que serve aos conceitos do entendimento como um veículo duradouro e por si mesmo recomendável para promover a unificação dos mesmos com a sensibilidade e assim como que promover a urbanidade das faculdades de conhecimento superiores. Ambas as espécies de artes tomam um curso totalmente diverso: a primeira, de sensações a idéias indeterminadas; a segunda, porém, de idéias determinadas a sensações. As últimas causam uma impressão permanente, as primeiras só uma impressão transitória. A faculdade da imaginação pode reevocar aquelas para entreter-se agradavelmente com elas; estas, porém, se extinguem completamente ou, quando são inadvertidamente repetidas pela faculdade da imaginação, são antes enfadonhas que agradáveis. Além disso, é inerente à música uma certa falta de urbanidade, pelo fato que, principalmente de acordo com a natureza dos instrumentos, ela estende a sua influência além do que dela se pretende (à vizinhança) e assim como que se impõe, por conseguinte causa dano à liberdade de outros, estranhos à sociedade musical; as artes que falam aos olhos não fazem isto, enquanto se deve apenas desviar os olhos  quando não se quer admitir a sua influência. Ocorre aqui quase o mesmo que com a fruição de uma fragrância que se propaga amplamente. Aquele que tira do bolso o seu perfumado lenço de assoar trata a todos a seu redor e a seu lado contrariamente à vontade deles e coage-os, quando querem respirar, a ao mesmo tempo fruí-lo; por isso também saiu de moda[3]. Entre as artes figurativas, eu daria a preferência à pintura, em parte porque, como arte do desenho, ela está à base de todas as demais artes figurativas, em parte porque ela pode adentrar-se muito mais na região das idéias e também pode estender, de acordo com estas, o campo da intuição mais do que é permitido às demais artes.

 

 


 

[1] Parece estranho que a jardinagem, embora apresente corporalmente as suas formas, possa ser considerada uma espécie de arte pictórica; visto porém que ela tomas as suas formas efetivamente da natureza (as árvores, os arbustos, as gramíneas e flores do mato e do campo, pelo menos originalmente), e na medida em que por assim dizer não é arte como a plástica, também não tem como condição de sua composição nenhum conceito do objeto e do seu fim (como talvez a arquitetura) mas simplesmente o jogo livre da faculdade da imaginação na contemplação: assim e nesta medida esta concorda com a pintura simplesmente estética, que não tem nenhum tema determinado (combina ar, terra e água, entretendo através de luz e sombra). De modo geral o leitor ajuizará isto somente como uma tentativa de ligação das artes belas sob um princípio, que desta vez deve ser o da expressão de ligação das artes belas sob um princípio, que desta vez deve ser o da expressão de idéias estéticas (segundo a analogia de uma linguagem) e não deve considerá-lo como uma dedução da mesma tida por decidida.

 

[2] Tenho que confessar que uma bela poesia sempre me produziu deleite puro, enquanto a melhor leitura de um discurso de um orador popular romano ou de um atual orador do parlamento ou púlpito está sempre mesclado do sentimento desagradável de desaprovação de uma arte insidiosa, que em coisas importantes entende mover os homens como máquinas a um juízo que na reflexão serena perderia nelas todo o peso. Eloquência e bem-estar (em conjunto a retórica) pertencem à arte bela; mas arte retórica (ars oratória), enquanto arte de servir-se das fraquezas dos homens para seus propósitos (estes podem ser tão bem-intencionados ou efetivamente bons quanto quiserem), não é absolutamente digna de nenhum apreço [Achtung]. Tanto em Atenas como em Roma ela só se elevou ao mais alto grau porque o Estado se aprestava para a sua ruína e a verdadeira maneira de pensar patriótica estava extinta. Quem na clara perspiciência das matérias tem em seu poder a linguagem na sua riqueza e pureza e com uma fecunda faculdade da imaginação apta à apresentação de suas idéias participa vivamente e com o coração do verdadeiro bem, é o vir bonus dicendi peritus, o orador sem arte porém cheio de ênfase, como o que ter Cícero*, sem contudo ter ele mesmo permanecido fiel a esse ideal.

* O texto citado e em realidade é de Catão: M. Catonis fragmenta, Ed. Jordan 1860, p. 80. (cf. Vorländer, p. 185).

 

[3] Aqueles que recomendaram entoar cânticos espirituais por ocasião das devoções domésticas não pensaram que através de um tal culto ruidoso (justamente por isso habitualmente farisaico) infligiam um grande incômodo ao público ao coagirem a vizinhança a cantar junto ou abdicar da ocupação com os seus pensamentos.

 


                                             

 

 

 

 

  Immanuel Kant (1724-1804)

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