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De segunda a um ano. Trad. Rogério Duprat. Rev. Augusto de Campos. Sao Paulo: Editora Hucitec, 1985.

 

(Excertos)

 

 

 

 

Mosaico (pp. 43-46)

 

As palavras de Schoenberg são as em itálico. As citações são observações que eu me lembro que ele fazia quando eu estudava análise e contraponto com ele.

 

Ele se tornou um judeu leal aos judeus. Eu não sei se tais tentativas de fazer as coisas de modo mais fácil não aumentam as dificuldades. Berg, Schoenberg. Webern. Uma outra pontuação esclarece a matéria: Berg-Schoenberg; Webern. Agora seriamente..Eu...(...só tenho desprezo por qualquer um que encontre a menor falta em qualquer coisa que eu publique. Um só Deus. As perguntas que ele fazia aos alunos tinham respostas que ele já conhecia. As respostas que seus alunos davam não combinavam com as suas. Schoenberg precisava estar seguro de si mesmo, de forma que, quando conduzisse os outros, estivesse na frente.  “Você  vai  dedicar  sua  vida à música?” Ele  pensava  em cartas  como  improvisação.  Não   eram

composições. Embora ele lamentasse o tempo que suas cartas consumiam, quando era forçado a descansar, ele as escrevia. Estamos descartando essa ideia também (muito embora Schoenberg a tivesse) de que a música nos capacita a viver num mundo de sonho, afastados da situação em, que estamos realmente (assim como os olhos dos amantes da música, fechados ou lendo partituras - sorte deles que não estão atravessando as ruas da cidade). Eu expliquei a Stravinsky que, estudando com Schoenberg, tinha me tornado um sectário: pró-Schoenberg, pró-cromatismo. Stravinsky: mas eu escrevo minha música cromática; minha objeção à música de Schoenberg: não é moderna (é como Brahms). Schoenberg apontava os erros dos outros; cônscio de si próprios, corrigia-os. A crítica é desnecessária. Eu discordo de quase tudo. Os livros de que se lembrava eram escritos por oponentes. Convenções musicais, complexidade, sim – mas não permitia que objetos e cenários de óperas confundissem suas plateias....é muito mais interessante ter um retrato pintado, ou possuir uma pintura feita por um músico da minha reputação do que ser retratado por algum mero praticante de pintura cujo nome será esquecido em 20 anos, enquanto que mesmo agora (ele tinha trinta e cinco anos) meu nome já pertence à história. Nossos valores. A composição usando os doze sons estava no ar vienense. Hauer e Schoenberg cataram ao mesmo tempo. Mas diferentemente. Simultaneamente? Eu só autorizo a publicar esta carta...;mas se...assim for...na íntegra; não fragmentada. Tendo em conta a sua desventurada situação financeira, a asma, os ataques anti-semitas de áreas políticas, a falta de reconhecimento público, etc. Somos levados (se não a concordar) a ouvi-lo, quando diz: Essa terra é um vale de lágrimas e não um lugar de entretenimento. Experienciar música, não nome de compositores: nos Concertos Particulares que Schoenberg organizava, os membros ouviam, ninguém lhes ensinava o que estavam ouvindo ou quem tinha composto. Acreditando que a verdade existia, ele estava interessado em saber o que era ela. Analisando um único compasso de Beethoven, Schoenberg tornava-se um mágico (não tirava coelhos da cartola, mas uma ideia musical atrás da outra: revelação). Arnold Schoenberg. O que se torna evidente (e nós o sabíamos, de qualquer forma) é que, a menos que a gente seja um comediante (e Schoenberg não era, embora tenha jogado tênis ao menos uma vez por semana com os irmãos Marx), tudo está perdido. As intenções da gente fazem a vida quase insuportável. Um copo de brandy e...foi um prazer. Justa indignação. Seria possível estabelecer uma terminologia unificada e...descrições e definições relevantes, se a gente pudesse começar botando os médicos para descrever suas próprias doenças...Ele se recusava a entrar na casa porque Strang, que morava lá, estava resfriado. Seus alunos o veneravam. De tal forma que quando ele dizia: “Meu propósito, ao ensinar vocês, é tornar impossível para vocês escrever música”, suas palavras pareciam mais de ajuda do que de desânimo. Alban Berg. Antes de agir, ele examinava todas as possibilidades; com setenta e seus anos de idade ele deixou as decisões para os outros. Pense bem, se você acha que funciona, faça-o. Doente da asma e precisando de 5.000 marcos urgentemente, ele relaciona três obras não publicadas, elogia duas, e discute em relação à terceira seus sentimentos sobre o louvor, achando o auto-elogio, embora mal-cheiroso, preferível àquele atribuído pelos outros. Sentado na sala de estar depois do jantar, Schoenberg falava. Algumas senhoras, a Sra. Schoenberg entre elas, estavam tricotando. Schoenberg insistiu em que não se tricotasse mais enquanto ele estivesse falando. Para ele, ser um verdadeiro músico significava ser um literato e ter um ouvido educado pela música europeia. O método dos doze sons foi tentado para substituir as qualidades funcionais da harmonia tonal. Essas qualidades funcionais são estruturais: dividir todos em partes. Métodos fazem contiguidades. Sem ter meios para fazer novas estruturas (Hauer), nem o desejo de renunciar à estrutura (processo), Schoenberg fazia estruturas neoclassicamente. Dois anos antes de morrer, Viena honrou-o de todo jeito, garantindo-lhe livre entrada na cidade. Isso deu-lhe orgulho e alegria, um prazer singular, mas fê-lo também lembrar seus oponentes, embora agora em menor número e força. Seu Harmonielehre [Tratado de Harmonia (N.T.)] começa: “Este livro eu o aprendi com meus alunos”. Mas: a única recompensa de um professor, dizia ele, era considerar os sucessos dos alunos como seus próprios. Anton Webern. Honestidade sem compaixão. Porque...tudo o que eu quero é compor. Mesmo o fato de eu escrever tantas cartas é um desvio nocivo desse princípio. E embora todos os que me querem bem devam naturalmente me escrever mais frequentemente possível (fico sempre feliz com isso), deveria ser de tal forma que eu não fosse obrigado a responder! Ele disse que ela e ele deviam deixar a sala, e que os remanescentes votariam se ela deveria continuar na classe. Saindo depois dela, ele disse sorrindo: “Tratem de conservá-la”. Agressividade. Ele era um aristocrata “self-made”. Eu fico imaginando o que você diria ao mundo em que eu quase morro de nojo. Tornar-se um cidadão americano não removeu sua aversão pela democracia e esse tipo de coisa. Dos velhos tempos em que um príncipe ficava como protetor de um artista, ele escreve: Os mais lindos, infelizmente passados, dias da arte. Schoenberg tratava suas sentenças escritas como se elas fossem filme e ele o editor de cinema de uma revista: à maior parte delas não conferia nenhum ponto de interrogação ou exclamação. A outras um número de pontos de um a quatro. Grifava passagens (itálicos nas versões impressas). Escrevendo a máquina, às vezes mudava para maiúsculas até que visse um ponto.

 

 

 

Ritmo, etc (pp. 121-123; 126-127)

 

(...) A rigor nada há a dizer sobre ritmo, porque não há tempo. Temos ainda de aprender os rudimentos, os meios úteis. Mas há mil razões para crer que isso vai acontecer antes que os corpos fiquem inanimados. Quando eu vejo tudo que está à direita s assemelhar a tudo que est[a à esquerda, eu me sinto da mesma forma que eu me sinto em frente de algo em que não há nenhum centro de interesse. Atividade, negócio: - não daquele que o fez (suas intenções tinham-se reduzido a quase nada - talvez em um grão de poeira.

 

Somos construídos simetricamente (com as habituais permissões para a imperfeição e a ignorância, com respeito ao que ocorre por dentro), e assim, vemos e ouvimos simetricamente, obsrvamos que cada evento está no centro do campo em que nós-ele estamos. Não é apenas um pontode vista democrático porque é igualmente aristocrático. Só objetamos quando alguém nos chama a atenção para algo que já estávamos em vias de ver. Ele menciounou o ato de ir para trás ou pro lado, e combinou isso com a noção de progresso. (...)

 

(...) Antes de deixar duma vez a terra, perguntemos: como é que fica a Música, com repeito a seus instrumentos, suas alturas, escalas, modos e séries, repetindo-se de oitava a oitava, os acordes, harmonias, e tonalidades, compassos, métricas e ritmos, graus de amplitude (pianissimo, piano, mezzo-piano, mezzo-forte, forte, fortissimo)? Embora a maioria vá todos os dias às escolas em que essas matérias são ensinadas, ele lêem, quando o tempo permite, sobre Cabo Canaveral, Gana e Seul. E ouviram falar de sintetizador de música, fita magnética. Confiam nos dias do rádio e da televisão. Uma arte tardia, essa arte da Música. E por que tão devagar? Será porque, tendo aprendido uma notação de alturas e durações, os músicos não desistem de seu grego? As crianças têm sido artistas modernos há muito tempo. O que é que há com a Música, que ela impele não só os jovens mas também os adultos para um passado tão remoto quanto as suas conveniências lhes permitem? O Módulo? Mas nossas escolhas nuca envolveram todo o globo, e na nossa indolência, quando mudamos para o sistema de doze sons, só pegamos as alturas da música do passado como se estivéssemos mudando para um apartamento mobiliado e não tivéssemos tido tempo nem de tirar os quadros das paredes. Qual é a desculpa? Que as coisas, hoje em dia, estão acontecendo tão depressa que não dá nem tempo pra pensar? Ou seríamos nós clarividentes percebendo antecipadamente que desapareceria a necessidade de qualquer tipo de mobliário? (Tudo que você coloca na sua frente, fica pendurado no ar.) O que foi irrelevante para as estruturas que a gente antes fazia, e isso foi o que nos manteve respirando, foi o que ocorreu dentro delas. Tomamos o vazio delas pelo que ele era: um lugar em que tudo podia acontecer. Essa foi uma das razões pelas quais estávamos aptos quando surgiram circunstâncias que nos convidaram (mudanças na consciência, etc) a sair pra fora, onde o ato de respirar é brinquedo de criança: sem paredes, nem mesmo as de vidro que, embora transparentes, matavam os pássaros em pleno vôo.

 

Mesmo no caso de um objeto, as fronteiras não são claras. (Vejo através do que você fez, isto é, se os reflexos não me conduzem de volta ao ponto em que estou.) Mas por que questionar? Os hindus, há muito tempo, sabiam que a Música transcorria permanentemente e que ouvir era como olhar por uma janela para uma paisagem que não deixava de existir quando a gente parava de olhar.

 

Etc. Algum tempo atrás, contagem, padrões, tempi, cairam. O ritmo está em qualquer extensão de tempo (não-estruturas). A-ordem. É defnitivamente primavera - não só no ar. Tome como um exemplo de ritmo qualquer coisa que pareça irrelevante. (...)

 

 

 


                                           

 

 

 

 

  John Cage (1912-1992)

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