
In: Claude Palisca: História da Música Ocidental. Trad. Ana Luisa Faria. Rev. Técnica: Adriana Latino. Lisboa: Gradiva, 1997.
Excerto do prefácio de Peri a Le musiche sopra l’Euridice, Florença, 1600. (p. 322)
Pondo de parte todas as outras maneiras de cantar até hoje conhecidas, dediquei-me por completo a procurar a imitação conveniente a estes poemas. E pensei que o tipo de voz atribuído pelos antigos, a que chamavam diastemático (que é como quem diz “sustentado e suspenso”), podia, por vezes, ser apressado e tomar um andamento moderado entre os lentos movimentos sustentados do canto e os movimentos fluentes e rápidos da fala, assim servindo o meu propósito (tal como também os antigos adaptavam a voz à leitura da poesia e dos versos heroicos), aproximando-se dessa outra voz da conversação, a que chamavam contínua e que os modernos (embora talvez para outros fins) usaram igualmente na sua música. Reconheci também que na nossa fala alguns sons são entoados de tal forma ue podemos
construir sobre eles uma harmonia e que no curso da fala passamos por muitos que não são entoados deste modo atpé chegarmos a um que permita o movimento para uma nova consonância. Tendo em mente as entoações e inflexões que nos servem na tristeza e na alegria e em estados semelhantes, fiz com que o baixo se movesse em sincronia com elas, mais depressa ou mais devagar, segundo os afetos. Mantive o baixo fixo através das consonâncias e dissonâncias até que a voz da presonage, tendo percorrido várias notas, chegasse a uma sílaba que, sendo entoada na fala normal, abrisse caminho a uma nova harmonia. Fiz tudo isto por forma que não só o fluir da fala não ofendesse o ouvido (quase tropeçando nas notas repetidas com mais frequentes acordes consonantes), mas ainda a voz não parecesse rogar o sabor do baixo, particularmente nos temas tristes ou graves, sendo evidente que outros temas mais alegres requerem movimentos mais frequentes. Além disso, o uso das dissonâncias atenuava ou obscurecia a vantagem adquirida com a necessidade de entoar cada nota, o que na música antiga talvez fosse menos necessário para este fim.
Jacopo Peri (1561-1633)






