
In HARNONCOURT, N. O Diálogo Musical: Monteverdi, Mozart e Bach. Trad. Luiz Paulo Sampaio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993.
Comentários isentos a propósito de uma passagem duvidosa...". (Cristischen Musicus, 1738)
(...)Ainda está para nascer o homem que tenha a rara felicidade de agradar a todos....Basta um pouco de reflexão para que se descubra mais de uma razão para isto. Por um lado se tem pouca informação para um esclarecimento cabal do que deve ser louvado ou condenado; julga-se sem conhecimento de causa. Por outro, a visão é tolhida pelo partidarismo emocional dos preconceitos. Este tipo de julgamento representa uma violentação da verdade. Ora predomina um gosto caprichoso e ultrapassado que orienta a razão, ditando o louvor tão-somente ao que lhe parece adequado e rejeitado tudo o que contraria como um erro absoluto. Ora prevalece a opinião da maioria, dando-se mais importância às opiniões preconcebidas de outrem, de que às próprias convicções. (...)
(...) O que seria bombástico em música? Será que se deve entendê-lo tal como o significado dado ao termo na arte retórica, onde é usado para designar uma forma de escrita em que são aplicados os mais sublimes ornamentos de linguagem para enfatizar coisas insignificantes e destarte tornar ainda mais evidente a sua inconseqüência? O simples fato de se pensar assim em relação ao senhor compositor da corte constitui a mais grosseira injúria. Este compositor não desperdiça seus magníficos ornamentos em canções de taverna, cações de ninar ou demais galanterias insípidas. Em suas peças religiosas, suas aberturas, seus concertos e outras obras, encontramos os ornamentos sempre em conformidade com os temas principais desenvolvidos por ele...O que seria confuso em música? Se quisermos desvendar o pensamento do comentarista quanto a esta questão, é preciso encontrar a priori uma definição incontestável daquilo a que, geralmente, se dá o nome de confusão. Tanto quanto eu saiba, denomina-se confuso o que não é ordenado e cujas partes estão de tal maneira agregadas e misturadas que se torna impossível saber qual deveria ser a posição de cada uma delas...Mas, onde quer que as regras da composição sejam rigorosamente observadas, deve indubitavelmente existir ordem. Quero crer que o autor jamais consideraria o senhor compositor da corte como um violador destas regras. Além disso, é notório que nas obras deste grande mestre da música as vozes se entrelaçam de maneira maravilhosa e, sempre sem a menor confusão, progridem em seus movimentos conjuntos e contrários, conforme a necessidade. Elas se separam e voltam a se reunir em tempo hábil. Cada voz pode ser reconhecida e se distingue das outras por suas variações peculiares, mesmo quando se imitam umas às outras repetidamente. Elas se perseguem e se afastam sem que se possa detectar a menor irregularidade na maneira pela qual se substituem. Se executado de modo apropriado, nada é mais belo do que esta harmonia. (...)
(...) Os louváveis esforços do senhor compositor da corte visam justamente apresentar ao mundo, por meio da arte, este aspecto natural, da maneira mais perfeita. Porém, é isto mesmo que o autor não quer reconhecer, pois ele nos diz expressamente que o senhor compositor da corte obscurece a beleza de suas peças através dos excessos artísticos. Esta afirmação contraria a natureza da verdadeira arte, que é a questão realmente tratada aqui. O objetivo essencial da verdadeira arte é a imitação da natureza e quando necessário, o auxílio da natureza. Se a arte imita a natureza, o que é natural deve, sem dúvida, brilhar por toda parte nas obras de arte. Consequentemente, é impossível à arte subtrair a naturalidade das coisas em que imita a natureza, inclusive a música. Se a arte auxilia a natureza, então seu objetivo primordial será o de preservá-la e mesmo melhorá-la, jamais destruí-la. A natureza apresenta um bom número de coisas malformadas ao extremo, que adquirem a mais bela aparência quando são modeladas pela arte. A arte, portanto, confere à natureza a beleza que lhe falta e aumenta a que já existe. Quanto maior a arte, isto é, quando mais diligente e cuidadosamente ela trabalha por melhorar a natureza, tanto mais perfeito será o brilho da beleza criada. Em conseqüência, é impossível que a maior das artes possa obscurecer a beleza de algo. Seria então possível que o senhor compositor da corte, movido pela arte maior com que elabora suas peças musicais, fosse capaz de privá-la de seu elemento natural, obscurecendo assim a sua beleza? (...)
(...) [o uso da ornamentação requer] uma necessária prudência do compositor. Se, em parte, é certo que o assim chamado método de ornamentação do canto e da prática instrumental é quase universalmente aceito e considerado agradável, também é inquestionável que aquele método só agrada ao ouvido quando empregado nos lugares corretos; em compensação, quando mal colocado, é irritante e destrói a linha melódica. Por outro lado, a experiência ensina que sua utilização é, com freqüência, deixada à discrição dos cantores e instrumentistas. Se todos fossem suficientemente instruídos sobre o que é verdadeiramente belo nesse método, e se todos soubesse aplicá-lo tão-somente onde serve de fato como ornamento, dando um acento peculiar à melodia principal, seria então supérfluo o compositor quere ainda fixar na notação o eu já seria do conhecimento de todos. Porém, como só um pequeno número de músicos tem conhecimento suficiente, a maioria ao aplicar inadequadamente o método, arruína a melodia principal. Chega-se ao ponto de, amiúde, introduzir passagens que nada têm a ver com a estrutura das obras, passíveis d serem consideradas, por quem não conhece a verdadeira situação, como erros do compositor. Portanto, qualquer autor, inclusive o senhor compositor da corte, tem o direito de prescrever um método correto e de acordo com suas intenções, para trazer ao bom caminho os que se extraviaram, cuidando destarte da preservação de sua honra.
in: Tomás, L. Música e Filosofia: Estética Musical. São Paulo: Ed. Vitale, 2005.
"(...) Scheibe sublinha primeiramente na música de Bach, a falta de graciosidade (...) Uma notável passagem do periódico inglês 'Spectator" é, quase por si só, suficiente para refutar esta acusação. Cito: “a música não foi concebida para o único agrado de ouvidos tenros e, sim, para aqueles que sabem distinguir entre sons ásperos e suaves, ou seja, aqueles que sabem usar com propriedade as dissonâncias e resolvê-las com habilidade. A verdadeira graciosidade da música consiste na relação e na alternância das consonâncias e dissonâncias, sem que seja perturbada a harmonia. A própria natureza da música assim o exige. As diferentes paixões, especialmente as tristes, não podem se exprimir de modo natural, sem essa alternância).(...)
O compositor da corte Bach é também acusado de ter sufocado a naturalidade de sua música com um estilo bombástico e intrincado, descrevendo este estilo tanto difícil como obscuro. Mas o que seria bombástico na música? Será que se deve entendê-la tal como significado dado ao termo na arte retórica) onde é usado para designar uma forma de escrita em que são aplicados os mais sublimes ornamentos de linguagem para enfatizar coisas insignificantes e destarte tornar ainda mais evidente a sua inconseqüência? O simples fato de se pensar assim em relação ao senhor compositor da corte constitui a mais grosseira injúria. Este compositor não desperdiça seus magnificos ornamentos em canções de taverna, canções de ninar ou demais galanterias insípidas (...)
O que seria confuso em música? Se quisermos desvendar o pensamento do comentarista quanto a esta questão, é preciso encontrar a priori uma definição daquilo a que, geralmente, se dá o nome de confusão. Tanto quanto eu saiba, denomina-se confuso o que não é ordenado e cujas partes estão de tal maneira agregadas e misturadas que se torna impossível saber qual deteria ser a posição de cada uma delas (...) Mas, onde quer que as regras da composição sejam rigorosamente observadas, deve indubitavelmente existir ordem. Quero crer que o autor jamais consideraria o senhor compositor da corte como um violador destas regras. Além disso é notório que nas obras deste grande mestre da música as vozes se entrelaçam de maneira maravilhosa e, sempre sem a menor confusão, progridem em seus movimentos conjuntos e contrários, conforme a necessidade. Elas se separam e voltam a se reunir em tempo hábil. Cada voz pode ser reconhecida e se distingue das outra por suas variações peculiares, mesmo quando se imitam umas às outras repetidamente. Elas se perseguem e se afastam sem que se possa detectar a menor irregularidade na maneira pela qual se substituem. Se executado de modo apropriado, nada é mais belo do que esta harmonia. (...)
O último elemento que o autor critica em Bach se baseia nisto: todas as vozes são conduzidas ao mesmo tempo e com a mesma dificuldade, sem que se possa reconhecer uma voz principal que é presumivelmente entendida como a voz superior. No entanto, não encontro um motivo suficiente para justificar o fato de que a melodia deva se encontrar necessariamente na voz superior e nem porque o entrelaçamento complexo das vozes deva ser um erro. Poderíamos, antes de tudo, concluir o contrário, ou seja, que a essência da música consiste de fato na harmonia. A harmonia torna-se cada vez mais complexa na medida em que todas as vozes cooperam reciprocamente. Portanto, isso não é um erro mas, ao contrário, uma perfeição musical. (..)"
Johann Abraham Birnbaum (1702-1748)







