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Hugo de São Victor. Disdascálicon: Da Arte de Ler. Introdução e tradução de Antonio Marcchioni. São Paulo: Vozes, 2001

 

 

 

 

 

Livro II, Capítulo 6 (pp. 95-98)

 

Dado que, como dissemos acima, cabe propriamente à matemática ocupar-se da quantidade abstrata, é necessário procurar suas subdivisões nas divisões da quantidade. A quantidade abstrata nada mais é que uma forma visível impressa na mente segundo uma dimensão linear, quantidade que existe na imaginação e se divide em duas partes: uma contínua, como a árvore ou o lápis, e é chamada grandeza, a outra descontínua, como o rebanho ou o povo, e esta se chama pluralidade.

 

 

Na pluralidade, por sua vez, 1) algumas quantidades são tais por si mesmas, como três, quatro ou qualquer outro número, 2) outras são relativas a alguma coisa, como duplo, metade, uma vez e meio, um terço a mais, e assim por diante. Quanto às grandezas, 3) algumas são móveis, como a esfera do universo, 4) outra imóveis, como a terra. Na grandeza que é tal por si mesma é objeto da aritmética, a grandeza relativa a alguma coisa é objeto da música. A geometria fornece o conhecimento da grandeza imóvel. Mas o conhecimento da grandeza móvel é reivindicado pela habilidade da disciplina astronômica. A matemática, portanto, se divide em aritmética, música, geometria, astronomia.

 

Capítulo 7: A aritmética

A palavra grega areths (aretés) em latim significa virtude e o termo ariqtoz (arithmós) significa número. Daí, aritmética quer dizer força do número. A força do número consiste no fato de que todas as coisas foram formadas à sua semelhança.

 

Capítulo 8: A música

A música tomou o nome da água, porque nenhuma eufonia, isto é, sonoridade elegante, pode acontecer sem umidade*.

(Nota: * - Diziam que o grego “moys” significa água. É uma referência ao som da água e aos órgãos hidráulicos).

 

Capítulo 9: A geometria

Geometria significa medição da terra, pois esta disciplina foi descoberta inicialmente pelos egípcios, quando, devido ao fato de que o Nilo, com sua inundação, cobria de lama os territórios e assim confundia os confins, começaram a medir a terra com varas e cordas. Mais tarde estes métodos foram aplicados e estendidos pelos homens de ciência à mensuração dos espaços do mar, do céu, do ar e de qualquer corpo.

 

Capítulo 10: A astronomia

A astronomia e a astrologia se diferenciam pelo fato de a astronomia ter derivado seu nome da lei dos astros, a astrologia do discurso sobre os astros. De fato, nomía significa lei e logos discurso. E assim, a astronomia é a ciência que discute a lei dos astros e a revolução do céu, investigando as regiões, as órbitas, os movimentos, o raiar e pôr-se das estrelas e as razões do nome de cada uma. A astrologia, por sua vez, considera os astros em seu influxo que é em parte natural e em parte supersticioso. Tal influxo é natural sobre a complexão dos corpos, os quais variam de acordo com o ritmo dos corpos superiores, como é o caso da saúde, doença, tempestade, estiagem, fertilidade e esterilidade; mas esse influxo é supersticioso com relação às coisas contingentes ou que dependem do livre-arbítrio. 

 

Capítulo 11: A aritmética

O objeto da aritmética é o número par e ímpar. O número par pode ser par-par, par-ímpar ou ímpar-par. Também o número ímpar tem três espécies. A primeira espécie é o número primeiro e não composto, a segunda é o número segundo e composto, a terceira é o número segundo e composto em si mesmo, mas primeiro e não composto quando é relacionado com os outros. *

(NOTA: *Par-par é o número que pode ser dividido várias vezes em duas partes iguais até chegar a 1 (ex. 32-16-8-4-2). ar-ímpar é o número que pode ser dividido uma só vez em duas partes iguais, tornando-se logo ímpar e indivisível(ex. 22). Ímpar-par é o número que pode ser dividido várias vezes em duas partes até tornar-se indivisível (ex. 12-6-3). Entre os números ímpares, é não-composto o número que pode ser dividido somente por 1 ou por si mesmo (ex. 3-5-7), é composto ímpar que pode ser dividido por outros números além do 1 (ex. 9:3, 15:5, 21:7). Hugo está citando as Etymologiae de Isidoro, III,V)

 

Capítulo 12: A música

Há três tipos de música: do universo, do homem, dos instrumentos.

A música do universo existe nos elementos, nos planetas, nos tempos. Nos elementos ela consiste em peso, número e medida. Nos planetas consiste em lugar, movimento, natureza. Nos tempos, ela consiste nos dias, mediante a alternância da luz e da noite, nos meses, mediante a lua crescente e decrescente, nos anos, mediante a mudança da primavera, do verão, do outono e do inverno.

A música humana existe ora no corpo, ora na alma, ora na conexão dos dois. A música do corpo consiste ora na atividade vegetativa pela qual ele cresce como convém a todos os seres que nascem, ora nos líquidos, cujo fluxo faz o corpo subsistir como é comum aos seres com vida sensitiva,. ora nas atividades produtivas, como convém de modo especial aos seres racionais. A estas últimas operações preside a mecânica, as quais são boas quando não excedem a moderação, para que a  ganância não se nutra daquilo de que a fraqueza deveria sustentar-se, como diz Lucano em louvor de Catão:

 

         “Para ele era um banquete ter vendido a fome, uma grande habitação

          ter afugentado o frio sob um teto, uma veste preciosa

          ter vestido uma toga rúvida sobre os ombros, nos moldes de

          um Quirite Romano”

 

A música da alma, uma consiste nas virtudes, como justiça, piedade e temperança, a outra nas potências, como razão, ira e concupisciência. A música entre o corpo e a alma é aquela amizade natural com a qual a alma se liga ao corpo não com vínculos corporais mas com determinados afetos, para mover e tornar sensível o próprio corpo, amizade pela qual “ninguém odiou sua própria carne”. Esta música consiste em quye a carne seja amada, mas o espírito ainda mais, o corpo seja reforçado e a virtude não seja destruída.

A música instrumental consiste uma na percussão, como acontece nos tímpanos e cordas, outra no sopro, como nas flautas e órgãos, outra na voz, como nos versos e cantos. “Há três tipos de músicos: um que compõe os versos, outro que toca os instrumentos, um terceiro que julga o desempenho dos instrumentos e os versos”. *

(Nota:* Citação explícita de Boécio).

 

 

 

 

 

Hugo de São Victor (1096-1141)

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