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 HEGEL, G. W. F. Cursos de Estética III. Trad. Marco Aurélio Werle/Oliver Tolle. São Paulo: Edusp, 2002

 

 

 

 

Parte III: O sistema das artes particulares

(3ª Seção: As artes Românticas, 2º Capítulo: A Música)

 

 

Se observarmos o percurso que fizemos até o momento no desenvolvimento das artes particulares, vemos que começamos com a arquitetura, Ela era a arte mais incompleta, pois a achamos incapaz de expor o espiritual em presença adequada apenas na matéria pesada que ela apreendeu como seu elementos sensível e tratou segundo as leis da gravidade, e tivemos de restringi-la à preparação de um ambiente exterior adequado à arte a partir do espírito para o espírito em sua existência viva, efetiva.

Em segundo lugar, ao contrário, a escultura fez certamente do espiritual mesmo o seu objeto, mas nem como caráter particular nem como interioridade subjetiva do ânimo, porém como a individualidade livre que tampouco se separa do Conteúdo substancial bem como do fenômeno corporal do espiritual, e sim como indivíduo apenas |132| chega à exposição até onde é necessário para a vivificação individual de um conteúdo em si mesmo essencial, e como interior espiritual penetra as Formas corporais apenas até onde permitem a unificação em si mesma indivisa do espírito e sai forma natural a ele correspondente. Esta identidade, necessária para a escultura, do espírito apenas existente para si mesmo em sue organismo corporal – em vez de existir no elemento de sua própria interioridade – atribui a esta arte a tarefa de ainda manter como material a matéria pesada, mas não a forma dela, como o faz a arquitetura formando um ambiente meramente inorgânico segundo as leis da gravidade e da sustentação, e sim a transforma na beleza clássica adequada ao espírito e à sua plástica ideal.

 

Se a escultura a este respeito se mostrou particularmente apropriada a deixar o Conteúdo e o modo de expressão da Forma de arte clássica se tornarem vivos em obras de artes, ao passo que a arquitetura, seja a qual conteúdo ela também pôde se mostrar útil, em sua espécie de exposição não conseguiu ultrapassar o tipo fundamental de uma alusão apenas simbólica, então entramos em terceiro lugar no âmbito do romântico. Pois na pintura certamente a forma exterior ainda é o meio através do qual se revela o interior, mas esse interior é a subjetividade ideal [edeelle], particular, o ânimo voltado para si mesmo desde a sua existência corporal, a paixão subjetiva e o sentimento do caráter e do coração, que não mais se derramam totalmente na forma exterior, mas retratam nela justamente o ser-para-si interior e a ocupação do espírito com o âmbito de seus próprios estados, fins e ações. Por causa desta interioridade de seu conteúdo, a pintura não pode mais se contentar com a matéria não particularizada, por um lado apenas configurada segundo o peso, por outro lado apenas apreensível segundo a sua forma, e sim deve apenas escolher a aparência e a aparência da cor dela como meio de expressão sensível. Todavia, a cor apenas |133| existe para tornar aparente Formas [Formen] e formas [Gestalten] espaciais, como existentes em efetividade vida, mesmo quando a arte de pintar se desenvolve em uma magia do colorido, na qual o objetivo começa, por assim dizer, a se esvaecer e o efeito quase não mais ocorre por algo de material. Por isso, por mais que a pintura também se desenvolva para o tornar-se livre ideal da aparência, que não mais está presa à forma como tal, e sim tem a permissão de se liberar para si mesmo em seu próprio elemento, no jogo da aparência e do reflexo [Scheine und Widerscheine], nos encantos do claro-escuro, esta magia da cor, todavia, é ainda de espécie espacial, uma aparência que existe separada e, por conseguinte, é subsistente.

 

1. Mas se o interior, tal como já ocorre com o princípio da pintura, deve de fato se dar a conhecer como interioridade subjetiva, então o material verdadeiramente correspondente não pode ser da espécie que ainda tem subsistência por si mesma. Desse modo, alcançamos um modo de exteriorização e de comunicação em cujo elemento sensível a objetividade não mais penetra como forma espacial, para nela resistir, e necessitamos de um material que em seu ser-para-o-outro é destituído de consistência e que já desaparece imediatamente em seu nascimento e existência mesmos. Esta eliminação não apenas de uma dimensão espacial, mas da espacialidade total em geral, este completo retraimento na subjetividade segundo o lado do interior como da exteriorização é realizada pela segunda arte românica – a música. Ela constitui nesta relação o autêntico ponto central daquela exposição que toma para si o subjetivo como tal tanto como conteúdo quanto Forma, na medida em que ela, como arte, na verdade manifesta o interior, mas na sua objetividade permanece ela mesma subjetiva, isto é, não deixa, tal como a arte plástica, ser para si mesma livre a exteriorização que escolhe e a torna uma existência que subsiste calmamente em si mesma, e sim suspende a mesma como objetividade e não permite ao exterior que se aproprie, como exterior, de uma existência firme diante de nós.

 

|134| Na medida em que, todavia, a supressão da objetividade espacial como modo de exposição é um abandono dela, a qual primeiramente ainda provém da espacialidade sensível das artes plásticas mesmas, esta negação deve igualmente se executar inteiramente na materialidade até o momento calmamente subsistente por si mesmo, tal como a pintura em seu campo reduziu as dimensões espaciais da escultura à superfície. A supressão do espacial consiste aqui, por isso, apenas no fato de que um material sensível determinado renuncia à sua calma separação recíproca, entra em movimento, mas vibra de tal modo em si mesmo que cada parte do corpo compacto não apenas modifica o seu lugar, mas também aspira a se recolocar no estado anterior. O resultado deste vibrar oscilante é o som, o material da música.

 

Com o som a música abandona o elemento da forma exterior e sua visibilidade intuitiva e também necessita, por isso, para a apreensão de suas produções, de um outro órgão subjetivo, o ouvido que, assim como a vista, não pertence aos sentidos práticos, mas aos sentidos teóricos e é ele mesmo ainda mais ideal do que a vista. Pois a contemplação quieta, sem desejo, de obras de arte, deixa certamente os objetos subsistirem por si mesmos em repouso tal como estão aí, sem querer destruí-los, mas o que ela apreende não é o que é posto de modo ideal em si mesmo, e sim, ao contrário, o que se mantêm em sua existência sensível. A orelha, ao contrário, sem se voltar praticamente para os objetos, percebe o resultado daquele vibrar interior dos corpos, por meio de que não mais aparece a forma material quieta, e sim a primeira resposta anímica [Seelenhaftigkeit] mais ideal. Uma vez que, além disso, a negatividade, na qual aqui penetra o material vibrante, é por um lado uma superação do estado espacial, ela mesma novamente superada por meio da reação do corpo, assim a exteriorização desta dupla negação, o som, é uma exterioridade que em seu surgimento se aniquila novamente por meio de sua existência mesma e desparece em si mesma [an sich selbst]. |135| Por meio desta dupla negação da exterioridade, a qual reside no princípio do som, o mesmo corresponde à sua subjetividade interior, na medida em que o ressoar, que já é em si e para si algo de mais ideal do que a corporeidade real para si mesma subsistente, também abandona esta existência mais ideal e desse modo torna-se um modo de exteriorização adequado ao interior.

 

2. Se questionarmos, inversamente, de que espécie deve ser o interior para, por seu lado, poder novamente se mostrar adequado ao ressoar e ao som, então já vimos que, por si, tomado como objetividade real, o som é inteiramente abstrato diante do material das artes plásticas A pedra e a coloração acolhem em si mesmas a Forma de um mundo amplo, multiforme dos objetos, e expõem os mesmos segundo sua existência efetiva; os sons não são capazes disso. Para a expressão musical, por isso, é unicamente apropriado o interior inteiramente sem objeto, a subjetividade abstrata como tal. Esta é nosso eu inteiramente vazio, o si-mesmo [Selbst] sem conteúdo mais amplo. A tarefa principal da música consistirá, por isso, em deixar ressoar não a objetividade mesma, mas, ao contrário, o modo no qual o si-mesmo mais íntimo é movido em si mesmo segundo a sua objetividade e alma ideal.

 

3. O mesmo vale para o efeito da música. O que pode ser reivindicado por ela é a última interioridade subjetiva como tal; ela é a arte do ânimo que imediatamente se volta ao ânimo mesmo. A pintura, por exemplo, como vimos, na verdade, era igualmente capaz de expressar a vida e o agir interiores, as disposições e as paixões do coração, as situações, os conflitos e os destinos da alma nas fisionomias e nas formas; mas o que temos diante de nós são fenômenos objetivos dos quais o eu intuitivo como si-mesmo interior ainda permanece diferenciado. Por mais que queiramos mergulhar e nos aprofundar no objeto, na situação, no caráter, nas Formas de uma estátua ou de um quadro, admirar a obra de arte, entrar em êxtase diante dela, nos preencher |136| imensamente por ela – de nada adianta, estas obras de arte são e permanecem objetos por si mesmos subsistentes, em respeito aos quais não conseguimos ultrapassar a relação do intuir. Mas na música esta diferenciação desaparece. Seu conteúdo é o subjetivo em si mesmo [an sich selbst], e a exteriorização não conduz igualmente a uma objetividade que permanece espacial, mas mostra, por meio de sua oscilação livre destituída de sustentação, que ela é uma comunicação, a qual, em vez de possuir por si mesma uma subsistência, apenas deve ser sustentada pelo interior e pelo subjetivo e apenas deve existir para o interior subjetivo. Assim, o som é certamente uma exteriorização e uma exterioridade, mas uma exteriorização que imediatamente se faz novamente desaparecer justamente pelo fato de que é exterioridade. Mal a orelha a apreendeu, ela silencia; a impressão que aqui deve encontrar lugar se interioriza imediatamente; os sons apenas ressoam na alma mais profunda, que em sua subjetividade ideal é comovida e colocada em movimento.

 

Esta interioridade destituída de objeto constitui, no que se refere ao conteúdo, bem como ao modo de expressão, o aspecto formal da música. Ela certamente também possui um conteúdo, mas nem no sentido das artes plásticas nem no da poesia; pois o que lhe falta é justamente o configurar-se a si objetivamente, seja para as Formas dos fenômenos exteriores efetivos seja para a objetividade de intuições e representações espirituais.

No que concerne ao decurso que queremos dar às nossas considerações ulteriores, temos:

 

Em primeiro lugar, de ressaltar o caráter geral da música e seu efeito, à diferença das demais artes, tanto pelo lado do material como pelo da Foram que assume o conteúdo espiritual.

 

Em segundo lugar, temos de discutir as diferenças determinadas nas quais se desdobram e se medeiam os sons musicais e suas figurações, em parte no que diz respeito à sua duração temporal, em parte em relação às diferenças qualitativas de seu ressoar real.

 

Em terceiro lugar, por fim, a música alcança uma relação com o |137| conteúdo que ela expressa, na medida em que ou se associa, como acompanhamento, aos sentimentos já expressados pela palavra, pelas representações e pelas considerações ou se move livremente em seu próprio âmbito com autonomia sem vínculos.

 

Se quisermos agora, depois desta indicação geral do princípio e da divisão da música, prosseguir para a discussão de seus lados particulares, surge então, segundo a natureza da coisa, uma dificuldade própria. A saber, pelo fato de que o elemento musical do som e da interioridade, para o qual se impulsiona o conteúdo, é tão abstrato e formal, não pode ser feita outra transição ao particular a não ser que se recaia imediatamente nas determinações técnicas, nas relações de medida dos sons, nas diferenciações dos instrumentos, nas tonalidades, nos acordes etc. Mas neste âmbito sou pouco versado e, por isso, devo me desculpar de antemão se eu apenas me restringir aos pontos de vista mais universais e às observações isoladas.

 

 

1.  O CARÁTER GERAL DA MÚSICA

 

Os pontos de vista essenciais que em geral são de importância no que diz respeito à música, podemos examinar segundo a seguinte sucessão:

 

Em primeiro lugar, temos de comparar a música, por um lado, com as artes plásticas, por outro lado, com a poesia.

 

Em segundo lugar, desse modo resultará para nós mais precisamente a espécie e o modo segundo os quais a música é capaz de apreender e expor um conteúdo.

 

Em terceiro lugar, a partir desta espécie de tratamento podemos esclarecer mais determinadamente o efeito peculiar que a música, à diferença das demais artes, exerce sobre o ânimo.

 

|138| a. Comparação com as artes plásticas e a poesia

 

No que se refere ao primeiro ponto, devemos comparar a música com outras artes segundo três lados, caso queiramos destaca-la claramente em sua particularidade específica.

 

a) Em primeiro lugar, ela se encontra, todavia em um parentesco com a arquitetura, embora se oponha à mesma.

 

aa) Se, a saber, na arquitetura o conteúdo que deve se manifestar em Formas arquitetônicas não penetra inteiramente na forma como nas obras da escultura e da pintura, mas permanece distinto dela como um ambiente exterior, então também na música, como arte propriamente romântica, num modo semelhante está dissolvida novamente a identidade clássica do interior e de sua existência exterior, mesmo que de modo invertido, já que a arquitetura, como espécie de exposição simbólica, ainda não era capaz de alcançar aquela unidade. Pois o interior espiritual prossegue da mera concentração do ânimo para as intuições e as representações e suas Formas desenvolvidas por meio da fantasia, ao passo que a música permanece mais capacitada a expressar o elemento do sentimento e envolve as representações expressas por si mesmas do espírito com os sons melódicos do sentimento, assim como a arquitetura em seu âmbito dispõe em torno da estátua do Deus, de um modo certamente rígido, as Formas racionais de suas colunas, muros e vigamentos.

 

BB) Assim, o som e a sua figuração se tornam de um modo completamente diferente um elemento primeiramente feito pela arte e pela expressão meramente artística, do que ocorre na pintura e na escultura com o corpo humano e sua postura e fisionomia. Também a este respeito a música pode ser comparada mais precisamente com a arquitetura, a qual toma suas Formas não do existente, |139| mas da invenção espiritual, a fim de configurá-la em parte segundo as leis da gravidade, em parte segundo as regras da simetria e da eurritmia. O mesmo faz a música em seu âmbito, na medida em que ela, por um lado, independentemente da expressão do sentimento, segue as leis harmônicas do som que repousam sobre relações quantitativas, por outro lado tanto no retorno do compasso e do ritmo bem como também em desenvolvimentos mais amplos dos sons mesmos reverte variadamente para as Formas da regularidade e da simetria. E assim, pois, domina na música igualmente a mais profunda intimidade e alma bem como o entendimento mais rigoroso, de modo que ela reúne em si mesma dois extremos, que facilmente se autonomizam mutuamente. Nesta autonomização, a música alcança particularmente um caráter arquitetônico quando, desprendida da expressão do ânimo, executa por si mesma uma construção musical de sons conforme as leis.

 

yy) Em toda semelhança, a arte dos sons se move, todavia, igualmente em um reino inteiramente oposto à arquitetura. Em ambas as artes certamente as relações quantitativas, e mais precisamente da medida, fornecem a base, contudo o material que é enformado de acordo com estas relações se contrapõe diretamente. A arquitetura apreende a massa sensível pesada em seu calmo um-ao-lado-do-outro [Nebeneinander] e em sua forma exterior espacial, a música, ao contrário, apreende a alma do som que se liberta da matéria espacial nas diferenças qualitativas do fluxo contínuo do movimento temporal da ressonância. Por isso, as obras de ambas as artes pertencem também a duas esferas inteiramente diferentes do espírito, na medida em que a arquitetura apresenta do modo duradouro as suas imagens colossais para a intuição exterior em Formas simbólicas, enquanto o mundo sonoro que passa rápida e ruidosamente penetra imediatamente pela orelha no interior do ânimo e dispõe a alma para sentimentos simpáticos.

 

B) No que concerne, em segundo lugar, à relação mais precisa da música com |140| as outras duas artes, a semelhança e a diversidade que se pode apontar já estão em parte fundamentadas naquilo que foi indicado anteriormente.

 

aa) O mais distante da música está a escultura, tanto no que diz respeito ao material e ao modo de configuração desta, como também no que se refere à completa configuração recíproca do interior e do exterior, a qual conduz a escultura. Com a pintura, ao contrário, a música já possui um parentesco mais próximo, em parte por causa da interioridade predominante da expressão, em parte também em relação ao tratamento do material, no qual, como vimos, a pintura pode se aproximar bastante da âmbito da música. Mas a pintura, contudo, possui como o seu alvo, em comum com a escultura, sempre a exposição de uma forma [Gestalt] espacial objetiva e se encontra presa por meio da Forma [Form] efetiva desta, já dada fora da arte. Na verdade, nem o pintor, nem o escultor tomam todas às vezes o rosto humano, uma posição do corpo, as linhas de uma formação montanhosa, os ramos e as folhagens de uma árvore como eles veem imediatamente estes fenômenos exteriores aqui ou ali na natureza, mas têm a tarefa de preparar o que encontram diante deles e fazê-lo adequado a uma situação determinada bem como à expressão que se segue necessariamente do conteúdo disso. Aqui, portanto, se encontra, por um lado, um conteúdo por si mesmo pronto, que deve ser individualizado artisticamente, por outro lado as Formas da natureza já se encontram igualmente dadas por si mesmas, e o artista, caso queira configurar um no outro estes dois elementos, tal como é o seu ofício, tem em ambos pontos de sustentação para a concepção e a execução. Na medida em que ele parte de tais determinações firmes, em parte ele tem de dar corpo de modo mais concreto ao universal da representação, em parte tem de generalizar e espiritualizar a forma humana ou outras Formas da natureza que podem servir-lhe como modelos em sua singularidade. |141| O músico, ao contrário, certamente também não abstrai de todo e qualquer conteúdo, mas encontra o mesmo em um texto que ele põe em música, ou reveste, de modo mais independente, qualquer disposição na Forma de um tema musical, que ele então a seguir configura; mas a região mais própria de suas composições permanece a interioridade mais formal, o puro ressoar, e em vez de um figurar para o exterior, seu aprofundamento no conteúdo torna-se muito mais um recuo para dentro da própria liberdade do interior, uma entrega de si em si mesmo e em alguns âmbitos da música inclusive uma certificação de que ele, como artista, é livre do conteúdo. Se em termos gerais já podemos ver a atividade no âmbito do belo como uma libertação da alma, uma libertação da opressão e do caráter limitado – na medida em que a arte mesma suaviza os destinos trágicos mais violentos por meio do configurar teórico e os deixa se tornarem um prazer – assim a música conduz esta liberdade para o ponto máximo. O que, a saber, as artes plásticas alcançam por meio da beleza plástica objetiva, que apresenta na particularidade do singular a totalidade do homem, a natureza humana como tal, o universal e o ideal, sem perder a harmonia em si mesma, isto a música deve executar de modo inteiramente diferente. O artista plástico apenas precisa produzir para fora e apresentar diante dele [hervor-und herauszubringen] o que está encoberto na representação, o que já está nela [darin] desde sempre, de modo que todo o singular em sua determinidade essencial é apenas uma explicação detalhada da totalidade que já paira diante do espirito por meio do conteúdo a ser exposto. Uma figura, por exemplo, em uma obra de arte plástica, exige nesta ou naquela situação um corpo, mãos, pés, um corpo com tal expressão, com tal posição, em outras figuras, com outros contextos etc, e cada um destes lados exige os outros para se ligar com eles em um todo em si mesmo fundamentado. O desenvolvimento do tema é aqui |142| apenas uma análise mais exata daquilo que ele já possuiu em si mesmo [an sich selbst] e quanto mais elaborada se torna a imagem, que então está diante de nós, tanto mais se concentra a unidade e se reforça a conexão mais determinada das partes. A expressão mais perfeita do singular, quando a obra de arte é de espécie autêntica, deve ao mesmo tempo ser a produção da suprema unidade. Sem dúvida também não deve faltar a uma obra de arte musical a articulação e o acabamento interiores para o todo, no qual uma parte torna necessária a outra; mas aqui a execução é em parte de espécie inteiramente diferente, em parte temos de tomar a unidade em um sentido mais restrito.

 

BB) Num tema musical, o significado que ele deve expressar já se encontra exaurido; se ele é repetido ou também conduzido para contrastes e mediações mais amplos, então estas repetições, digressões, aperfeiçoamentos por meio de outras tonalidade etc, mostram-se facilmente para o entendimento como superficiais e pertencem apenas mais á elaboração musical e ao aprofundamento no elemento variado das diferenças harmônicas, as quais não são nem exigidas pelo conteúdo mesmo nem permanecem por ele sustentas, ao passo que nas artes plásticas, ao contrário, a execução do singular e no singular apenas se torna um ressaltar sempre mais exato e uma análise viva do conteúdo mesmo. Todavia, não se pode negar que também em uma obra musical, por meio do modo e da espécie de como um tema se desenvolve, um outro se acrescenta e ambos em sua alternância ou em seu entrelaçamento se impulsionam, se modificam, ora sucumbem, ora novamente emergem, aqui aparecem derrotados, ali novamente surgem vitoriosos, um conteúdo pode se explicar em suas relações mais determinadas, em contrastes, em conflitos, em passagens, em complicações e em soluções. Mas também neste caso a unidade não se torna mais aprofundada e concentrada por meio de tal elaboração, como na escultura e na pintura, mas antes é uma amplificação, uma difusão, |143| uma separação, um distanciamento e uma retomada, para os quais o conteúdo que deve se expressar permanece certamente o ponto central mais universal, mas não mantém o todo tão firmemente unido, tal como é possível nas formas da arte plástica, particularmente onde ela se restringe ao organismo humano.

 

yy) Segundo este lado, a música, à diferença das demais artes, está excessivamente próxima do elemento daquela liberdade formal do interior para que ela possa se voltar em maior ou menor grau para o que está presente, para o conteúdo. A recordação [Erinnerung] do artista, isto é, um tornar-se-interior [Innewerden], de modo que ele é o artista e pode se mover arbitrariamente e se voltar para cá ou para lá. Mas o livre fantasiar é a este respeito expressamente distinguido de uma peça musical em si mesma fechada, a qual essencialmente deve constituir um todo articulado. No livre fantasiar o não-estar-preso [Ungebundenheit] é ele mesmo finalidade, de modo que o artista, dentre outras coisas, também pode mostrar a liberdade de entretecer melodias e passagens conhecidas em sua produção instantânea, descobrir nelas um lado novo, elaborá-las em diversas nuanças, conduzir a outras e a partir disso igualmente também prosseguir para o mais heterogêneo.

 

Mas no todo, uma pela musical encerra, em geral, a liberdade de ser executada de modo mais contido e de observar uma unidade, por assim dizer, mais plástica ou de se mover em vitalidade subjetiva, a partir de cada ponto, com o arbítrio em divagações maiores ou menores, do mesmo modo de oscilar para lá e para cá, de se deter em caprichos, deixar irromper isso ou aquilo e então novamente prosseguir em uma rápida torrente. Se, por conseguinte, se deve recomendar ao pintor, ao escultor, que estudem as Formas naturais, a música, por seu lado, não possuiu um tal círculo já fora de suas Formas dadas, ao qual ela fosse forçada a se manter. A abrangência de sua conformidade a leis e necessidade das Formas recai basicamente |144| no âmbito dos sons mesmos, que não penetram em uma conexão tão estreita com a determinidade do conteúdo que neles se introduz, e no que se refere à sua aplicação, além disso, permitem, em geral, um amplo espaço de jogo para a liberdade subjetiva da execução.

 

Este é o ponto de vista principal segundo o qual se pode opor a música às artes configuradas mais objetivamente.

 

y) Por outro lado, em terceiro lugar, a música tem o maior parentesco com a poesia, na media em que ambas se servem do mesmo material sensível, do som. Mas também estre estas artes se encontra a maior diversidade, tanto no que se refere à espécie do tratamento dos sons, como também no que toca ao modo da expressão.

 

aa) Na poesia, como já vimos na divisão geral das artes, o som como tal não é emitido por meio de instrumentos variados, inventados pela arte, e configurado rica e artisticamente, mas o som articulado do órgão humano da fala é reduzido a mero signo do discurso e mantém, por isso, apenas o valor de ser uma designação de representações por si mesma destituída de significado. Desse modo, o som permanece, em geral, uma existência sensível autônoma, a qual, como mero signo de sentimentos, representações e pensamentos, possui sua exterioridade e objetividade a ela mesma imanente pelo fato de ser apenas este signo. Pois a autêntica objetividade do interior como interior não consiste em sons e palavras, e sim no fato de que tenho consciência de um pensamento, de um sentimento etc., que faço deles um objeto para mim e assim os tenho na representação, desdobro as relações exteriores e interiores do conteúdo de meus pensamentos, relaciono mutualmente as determinações particulares etc. Certamente pensamos sempre com palavras, sem todavia necessitarmos da fala efetiva. Por meio desta indiferença do som verbal como sensível |145| diante do conteúdo espiritual das representações etc., para cuja comunicação eles são empregados, o som adquire aqui novamente autonomia. Na pintura, na verdade, a cor e a sua composição, tomada como mera cor, é igualmente por si mesma destituída de significado e um elemento sensível autônomo diante do espiritual; mas a cor como tal ainda não constitui nenhuma pintura, e sim devem ser acrescentadas a forma [Gestalt] e sua expressão. Com estas Formas [Formen] espiritualmente animadas a coloração entra então em uma conexão muito mais estreita do que a possuem o som verbal e sua combinação em palavras com as representações. – Se olharmos para a diferença do emprego poético e musical do som, veremos que a música não oprime o som em som verbal, e sim faz do som mesmo por si seu elemento, de modo que ele, na medida em que é som, é tratado como finalidade. Desse modo, o reino dos sons, já que não deve servir apenas para a mera designação, pode neste tornar-se chegar a ser um modo de configuração que permite à sua própria Forma, como configuração sonora [Tongebilde] ricamente artística, tornar-se sua finalidade essencial. Particularmente em época mais recente a música, rompendo com um Conteúdo por si mesmo já claro, retornou assim ao seu próprio elemento, mas para isso perdeu também tanto mais poder sobre o interior, na medida em que o prazer que ela pode oferecer apenas se volta para um lado da arte, ao mero interesse, a saber, para o que é puramente musical da composição e sua habilidade, um lado que é apenas questão para especialista e importa menos ao interesse artístico universalmente humano.

 

BB) Mas o que a poesia perde em objetividade exterior, na medida em que sabe eliminar seu elemento sensível, até onde somente é permitido à arte, ela ganha em objetividade interior das intuições e das representações, as quais a linguagem poética apresenta diante da consciência espiritual. Pois estas intuições, sentimentos, pensamentos, a fantasia tem de configurar em um mundo por si mesmo pronto de acontecimentos, ações, disposições do ânimo |146| e irrompimentos da paixão, e desenvolve deste modo obras nas quais toda a efetividade, tanto segundo o fenômeno exterior quanto segundo o Conteúdo interior, se torna intuição e representação para o nosso sentimento espiritual. A música deve renunciar a esta espécie de objetividade, na medida em que se quer manter autônoma em seu próprio campo. O reino dos sons tem, a saber, como já indiquei, certamente uma relação com o ânimo e uma concordância com os movimentos espirituais dele; mas ele não chega a ir além de um simpatizar sempre mais indeterminado, embora, segundo este lado uma obra musical, se decorreu do ânimo mesmo e foi penetrada por uma alma e sentimento ricos, pode igualmente de novo fazer efeito ricamente. – Nossos sentimentos, além disso, também já transitam de seu elemento de intimidade [Innigkeit] indeterminada para um Conteúdo [Gehalt] e um entretecimento subjetivo com ele em direção à intuição mais concreta e à representação mais universal deste conteúdo [Inhalt]. Isto também pode acontecer em uma obra musical, tão logo os sentimentos que ela suscita em nós, segundo sua própria natureza e alma artística, se configurem em nós como intuições e representações mais precisas e, com isso, também levem à consciência a determinidade das impressões do ânimo como intuições mais firmes e representações mais universais. Mas isto é então a nossa representação e intuição, para as quais certamente a obra musical deu o primeiro impulso, mas ela mesma, todavia, não as produziu imediatamente por meio do tratamento musical sons. A poesia, em contrapartida, expressa os sentimentos, as intuições e as representações mesmos e também pode nos esboçar uma imagem dos objetos exteriores, embora, por seu lado, ela não possa nem alcançar a plástica nítida da escultura e da pintura nem a intimidade de alma [Seeleninnigkeit] da música e, por isso, deve invocar como complemento nossa intuição sensível restante e apreensão anímica destituída de linguagem.

 

yy) Mas, em terceiro lugar, a música não permanece presa a esta autonomia |147| diante da arte da poesia e do Conteúdo [Gehalt] espiritual da consciência, e sim se irmana com um conteúdo [Inhalt] já inteiramente desenvolvido por meio da poesia e expresso claramente como decurso de sentimentos, considerações, eventos e ações. Se, todavia, o lado musical de uma tal obra de arte de ver o essencial e o que predomina nela, então a poesia como poema, drama etc, não pode se apresentar com a reivindicação por validade peculiar. Em geral, no interior desta união entre a música e a poesia o predomínio de uma arte é prejudicial para a outra. Se, por conseguinte, o texto como obra de arte poética tem por si mesmo valor completamente autônomo, então ele pode esperar apenas um apoio insignificante da música; como, por exemplo, a música nos coros dramáticos dos antigos era um acompanhamento meramente subordinado. Mas se, inversamente, a música alcança a posição de uma peculiaridade por si mesma mais independente, o texto, segundo sua execução poética, pode então novamente ser apenas superficial e ficar preso aos sentimentos universais e às representações mantidas de modo universal. Elaborações poéticas de pensamentos profundos fornecem tampouco um bom texto musical bem como descrições de estados da natureza exteriores ou da poesia descritiva em geral. Cantos, árias de óperas, textos de oratórios etc. podem, por conseguinte, no que se refere à execução poética mais precisa, ser insuficientes e de uma certa mediocridade; o poeta, caso o música deva conservar livre espaço de jogo, não deve querer ser admirado como poeta. Segundo este lado, particularmente os italianos tiveram grande habilidade, como, por exemplo, Metastásio e outros, ao passo que os poemas de Schiller, que também não foram feitos de modo algum para tal finalidade, se revelam como muito pesados e inapropriáveis para a composição musical. Onde a música chega a um desenvolvimento mais de acordo com a arte, entende-se aliás pouco ou nada do texto, particularmente em nossa língua e pronúncia alemãs. |148| Por conseguinte, também constitui uma direção não-musical colocar o peso principal do interesse no texto. Um público italiano, por exemplo, conversa durante as cenas menos significativas de uma ópera, come, joga cartas etc., mas se começa alguma ária que se destaca ou uma outra peça musical importante, então cada um presta a máxima atenção. Nós alemães, ao contrário, temos o maior interesse no destino e nas falas dos príncipes e das princesas das óperas, com seus criados, escudeiros, confidentes e criadagem; e certamente existem ainda hoje muitos que, tão logo começa o canto, deploram que o interesse foi interrompido e então se consolam conversando. – Nas músicas sacras o texto também é muitas vezes ou um credo conhecido ou composto por passagens singulares dos salmos, de modo que as palavras devem ser vistas apenas como ocasião para um comentário musical, que se torna por si uma execução própria e não deve porventura apenas elevar o texto, mas toma dele basicamente apenas o universal do conteúdo, de modo semelhante ao que faz a pintura quando escolhe suas matérias das histórias sagradas.

 

b. Concepção musical do conteúdo

 

Se questionarmos, em segundo lugar, o modo de concepção, distinto das demais artes, em cuja Forma a música, seja ela acompanhante ou independente de um texto determinado, pode apreender e expressar um conteúdo particular, então eu já dizia anteriormente que a música é dentre todas as artes a que abrange em si mesma a maior possibilidade de se libertar não apenas de cada texto efetivo, mas também a expressão de qualquer conteúdo determinado, a fim de se satisfazer meramente em um decurso em si mesmo acabado de combinações, de mudanças, de oposições e de mediações, que recai no interior do âmbito puramente musical dos sons. Mas então a música permanece vazia, sem significado e, já que lhe falta o lado principal de toda a artes, o |149| conteúdo e a expressão espiritual, ela ainda não pode ser considerada propriamente como arte. Apenas quando no elemento sensível dos sons e em sua figuração variada se expressa algo de espiritual de modo adequado, a música também se eleva à verdadeira arte, independentemente se este conteúdo alcança por si expressamente sua designação mais precisa por meio de palavras ou se deve ser sentido mais indeterminadamente a partir dos sons e de suas relações harmoniosas e animações melódicas.

 

aa) A interioridade como tal é, por conseguinte, a Forma na qual ela é capaz de apreender seu conteúdo e, desse modo, é capacitada a acolher sem is mesma tudo o que em geral pode entrar no interior e especialmente revestir a Forma do sentimento. Mas aqui então reside, ao mesmo tempo, a determinação de que a música não pode querer trabalhar para a intuição, mas deve se restringir a fazer apreensível a interioridade ao interior, seja para querer deixar penetrar a profundidade interior substancial de um conteúdo como tal nas profundezas do ânimo ou para privilegiar a exposição da vida e do atuar de um Conteúdo em um interior subjetivo singular, de modo que para ela esta intimidade [Innigkeit] subjetiva mesma se torne seu objeto mais próprio.

 

|150| BB) A interioridade abstrata tem como sua particularização próxima, com a qual a música entra em conexão, o sentimento, a subjetividade ampliadora do eu, que na verdade prossegue para um conteúdo, mas neste fechamento imediato ainda o deixa no eu e na relação destituída de exterioridade com o eu. Desse modo, o sentimento permanece sempre aquilo que apenas reveste o conteúdo, e é esta a esfera reivindicada pela música.

 

yy) Aqui então ela se amplia para a expressão de todos os sentimentos particulares e todas as nuanças da alegria, da serenidade, do gracejo, do humor, do clamor e do júbilo da alma, igualmente as gradações da angústia, da aflição, da tristeza, do lamento, do desgosto, da dor, da saudade etc. e por fim do respeito, da adoração, do amor etc. tornam-se a esfera peculiar da expressão musical.

 

B) Fora da arte, o som como interjeição, como grito de dor, como suspiro, como riso é já a exteriorização imediata a mais viva dos estados da alma e dos sentimentos, o “ah!” e “oh!” do ânimo. Nisso residem uma autoprodução e uma objetividade da alma como alma, uma expressão que está no centro entre a imersão destituída de consciência e o retorno em si mesmo para pensamentos determinados interiormente, e uma produção que não é prática, mas teórica, como também o pássaro em seu canto possui ele mesmo este prazer e esta produção de si mesmo.

 

A expressão meramente natural das interjeições, todavia, ainda não é nenhuma música, pois estas exclamações na verdade não são nenhum signo arbitrário articulado de representações como o som verbal e, por isso, também não enunciam um conteúdo representado em sua universalidade como representação, mas dão a conhecer no som e junto a ele mesmo uma disposição e um sentimento que se introduzem de modo imediato em tais sons e permitem ao coração se aliviar por meio de sua emissão |151|; esta libertação, contudo, ainda não é nenhuma libertação por meio da arte. A música, ao contrário, deve colocar os sentimentos em relações sonoras determinadas e retirar a expressão natural de sua selvageria, de seu irromper rude e moderá-la.

 

y) Assim, as interjeições constituem certamente o ponto de partida da música, entretanto, ela mesma é, pela primeira vez, arte como a interjeição cadenciada e a este respeito tem de prepara artisticamente seu material sensível em um grau mais elevado do que a pintura e a poesia, antes que o mesmo seja capaz de expressar de modo artístico o conteúdo do espírito. O modo mais preciso segundo o qual o reino do som se torna elaborado para tal adequação, temos de considerar apenas mais tarde; por ora quero apenas retomar a observação do que os sons são, em si mesmos, uma totalidade de diferenças, que podem se dividir e se unir nas espécies mais diversas de sintonias imediatas, de oposições, de contradições e de mediações essenciais. A estar oposições e unificações, bem como a diversidade de seus movimentos e transições, do seu intervir, progredir, lugar e dissolver-se e desaparecer corresponde, numa relação mais próxima ou mais distante, a natureza interior tanto deste ou daquele conteúdo quanto também dos sentimentos, em cuja Forma o coração e o ânimo se apoderam de um tal conteúdo, de modo que tais relações sonoras, apreendidas nesta adequação, dão a expressão animada do que está presente no espírito como conteúdo determinado.

 

Mas o elemento do som se mostra, por isso, mais aparentado à essencialidade simples interior de um conteúdo do que o material sensível visto até o momento, pois o som, em vez de se afirmar em formas espaciais e alcançar consistência como multiplicidade do que está um ao lado do outro e fora do outro, antes recai no âmbito ideal do tempo e, portanto, não progride para a diferença do interior simples e da forma e do fenômeno corporais concretos. |152| O mesmo vale para a Forma do sentimento de um conteúdo, cuja expressão cabe principalmente à música. Na intuição e na representação, a saber, como no pensamento autoconsciente, já entra a diferenciação necessária do eu que intui, que representa, que pensa, e do objeto intuído, representado, pensado; porém, no sentimento esta diferença é apagada ou antes dina não é destacada, e sim o conteúdo está entretecido indiferenciadamente com o interior como tal. Se a música, por conseguinte, também se une como arte acompanhante com a poesia ou inversamente a poesia se une com a música como intérprete clarificadora, então a música não pode, todavia, querer tornar intuível exteriormente ou querer reproduzir representações e pensamentos tais como são apreendidos pela autoconsciência como representações e pensamentos. Mas ela deve, como já foi dito, ou levar ao sentimento a natureza simples de um conteúdo em tais relações de sons, tais como estão aparentadas com a relação interior, ou deve mais precisamente procurar expressar aquele sentimento [Empfindung] mesmo – que pode estimular o conteúdo de intuições e representações no espírito tanto simpático [mitempfindenden] quanto representador – por meio de seus sons interiorizadores e que acompanham a poesia.

 

c. Efeito da música

 

A partir desta direção também se deduz, em terceiro lugar, a potência com a qual a música atua principalmente sobre o ânimo como tal, o qual nem prossegue para considerações intelectuais [verständigen] nem dispersa a autoconsciência para intuições isoladas, e sim está acostumado a viver na intimidade [Innigkeit] e na profundidade não aberta do sentimento. Pois justamente esta esfera, o sentido interior, a percepção-de-si abstrata é o que a música apreende e, desse modo, também coloca em movimento a sede das transformações interiores, o coração e o ânimo como este ponto central concentrado simples do homem inteiro.

 

|153| a) A escultura, particularmente, dá às suas obras de arte uma existência que subsiste inteiramente por si mesma, uma objetividade em si mesma fechada, tanto segundo o conteúdo, quanto o fenômeno artístico exterior. Seu Conteúdo é, na verdade, a substancialidade do espiritual individualmente vivificada, todavia repousando autonomamente sobre si mesma, sua Forma [Form] é e a forma [Gestalt] espacialmente total. Por isso, uma obra da escultura também conserva como objeto da intuição, a maior autonomia. Já o quadro, como vimos na consideração da pintura (vol. III, p. 205), entra numa conexão mais precisa com o espectador, em parte por causa do conteúdo em si mesmo mais subjetivo que o quadro expõe, em parte no que se refere à mera aparência da realidade que ele dá e, desse modo, demonstra que não quer ser nada para si mesmo autônomo, e sim ao contrário essencialmente apenas para um outro, para o sujeito que vê e sente. Entretanto, também diante de um quadro nos resta uma liberdade mais autônoma, na medida em que sempre apenas nos ocupamos com um objeto dado no exterior, que somente sobrevém a nós por meio da intuição e, desse modo, faz efeito primeiramente sobre o sentimento e a representação. O espectador, por isso, pode se mover para lá e para cá na obra de arte mesma, observar isso e aquilo nela, analisar o todo, já que ela permanece imóvel diante dele, estabelecer reflexões variadas sobre ela e conservar assim a plena liberdade para a sua consideração independente.

 

aa) A obra de arte musical, ao contrário, certamente avança como obra de arte em geral para o começo de uma diferenciação do sujeito que desfruta e da obra objetiva, na medida em que alcança em seu soar que ressoa efetivamente uma existência sensível distinta do interior; mas em parte esta oposição não aumenta como na arte figurativa para um subsistir exterior em si mesmo duradouro no espaço e para a intuitibilidade [Anschaubarkeit] de uma objetividade existente por si mesma, e sim inversamente volatiza sua existência real para um diluir temporal imediato da mesma – em parte a música não faz a separação entre o material exterior e |154| o conteúdo espiritual como a poesia, na qual o lado da representação, mais independente do som da linguagem e em todas as artes o mais separado desta exterioridade, se configura num curso peculiar de formas espirituais da fantasia enquanto tais. Sem dúvida poderia ser aqui observado que a música, segundo o que indiquei anteriormente, pode inversamente, de novo, liberar os sons de seu conteúdo e, desse modo, automatizá-los; mas esta liberação não é propriamente adequado à arte, que consiste, ao contrário, em empregar o movimento harmônico e melódico inteiramente para a expressão do conteúdo e dos sentimentos uma vez escolhidos, que o mesmo é capaz de despertar. Uma vez que a expressão musical tem por seu Conteúdo o interior mesmo, o sentido interior da coisa e o sentimento, e o som em sua existência sensível pura e simplesmente passageiro com os seus movimentos imediatamente na sede interior de todos os movimentos da alma. Ela, por conseguinte, prende a consciência, a qual não tem mais nenhum objeto que se lhe opõe e, na perda desta liberdade, é levada ela mesma pela corrente contínua dos sons. Mas também nestas direções as mais diversas, para as quais pode se voltar a música, é possível um efeito diversificado. Se, a saber, falta à música um conteúdo mais profundo ou em geral uma expressão mais plena de alma, então pode acontecer que, por um lado, nos alegremos sem um movimento interior mais amplo no mero ressoar sensível e na eufonia ou, por outro lado, seguimos com as considerações do entendimento o decurso harmônico e melódico, pelo qual o ânimo interior não é mais amplamente comovido ou conduzido. Aliás, existe na música especialmente uma tal mera análise do entendimento, para a qual na obra de arte não se apresenta outra coisa senão a habilidade de um virtuosismo [virtuosen Machwerk]. Se abstraírmos, porém, deste aspecto do entendimento [Verständigkeit] e nos deixarmos levar despreocupadamente, então a obra de arte musical |155| nos atrai inteiramente para dentro dela mesma e nos leva com ela independentemente da potência que a arte como arte exerce em geral sobre nós. A potência peculiar da música é uma potência elementar, isto é, ela reside no elemento do som no qual a arte aqui se move.

 

BB)Por este elemento o sujeito não é apenas captado segundo esta ou aquela particularidade ou apreendido meramente por meio de um conteúdo determinado, mas é elevado para dentro da obra segundo o seu si-mesmo simples, segundo o centro de sua existência espiritual, e colocado ele mesmo em atividade. Assim, por exemplo, em ritmos destacados, que transcorrem facilmente, temos imediatamente o prazer de seguir o compasso, de acompanhar a melodia, e na música de salão nossas pernas são contagiadas: em geral o sujeito é reivindicado como esta pessoa. Inversamente, em uma atividade meramente regular – que, na medida em que recai no tempo, torna-se adequada ao compasso por meio desta uniformidade e não tem nenhum outro conteúdo ulterior – exigimos por um lado uma exteriorização desta regularidade como tal, para que este fazer se torne um modo dele mesmo subjetivo para o sujeito, por outro lado pedimos uma realização mais precisa desta igualdade. As duas coisas são oferecidas pelo acompanhamento musical. Deste modo, é acrescentada música à marcha dos soldados, a qual estimula o interior para as regras da marcha, mergulha o sujeito nesta ocupação e o preenche harmoniosamente com o que tem de ser feito. De modo semelhante é igualmente molestável a inquietação sem regras em uma table d’hôte [mesa de bar] onde há muita gente e a estimulação insatisfeita que provocam; este caminhar para lá e para cá, o ruído, a conversa devem ser regrados e, uma vez que temos tempo livre depois da comida e da bebida, o vazio deve ser preenchido. Também nesta ocasião, como em muitas outras, a música intervém de modo eficaz e, além disso, afasta outros pensamentos, distrações e ideias.

 

yy) Aqui se mostra ao mesmo tempo a conexão do |156| interior subjetivo com o tempo como tal, que constitui o elemento universal da música. A interioridade, a saber, como unidade subjetiva, é a negação ativa do subsistir-lado-a-lado indiferente no espaço e, como isso, unidade negativa. Inicialmente esta unidade permanece, todavia, consigo mesma inteiramente abstrata e vazia e consiste apenas no fato de se fazer a si mesma objeto, mas em superar esta objetividade – que é ela mesma apenas de espécie ideal e é o mesmo que o sujeito – e, desse modo, produzir-se a si como a unidade subjetiva. A atividade igualmente ideal é, em seu âmbito da exterioridade, o tempo. Pois primeiramente ele elimina o um-ao-lado-do-outro [nebeneinander] do espacial e contrai a continuidade do mesmo para o ponto temporal, para o agora. Mas o ponto temporal, em segundo lugar, se mostra imediatamente como negação de si, na medida em que este agora, tão logo ele é, se suprime para um outro agora e, desse modo, apresenta sua atividade negativa. Em terceiro lugar, por causa da exterioridade em cujo elemento o tempo se move, certamente não ocorre a passagem para a unidade verdadeira subjetiva do primeiro ponto temporal com o outro, para o qual o agora se suprime, mas o agora permanece, todavia, em sua mutabilidade, sempre o mesmo; pois cada ponto temporal é um agora e igualmente diferenciado do outro, tomado como mero ponto temporal, assim como o eu abstrato do objeto, para o qual ele se suprime e no mesmo se reúne consigo, já que este objeto é ele mesmo apenas o vazio.

 

Mais precisamente, o eu efetivo pertence ele mesmo ao tempo, com o qual ele coincide, quando abstraímos do conteúdo concreto da consciência e da autoconsciência, na medida em que ele nada é senão este movimento vazio de se por como um outro e de superar esta mudança, isto é, alcançar a si mesmo nisso, o eu e apenas o eu como tal. O eu é no tempo, e o tempo é o ser do sujeito mesmo. Uma vez que é o tempo e não a espacialidade como tal que fornece o elemento essencial no qual o som, no que diz respeito à sua validade musical, conquista existência, e o |157| tempo do som ao mesmo tempo é o tempo do sujeito, então o som já penetra, segundo esta base, no si-mesmo, apreende-o segundo a sua existência a mais simples e põe em movimento o eu por meio do movimento temporal e seu ritmo, ao passo que a outra figuração dos sons, como expressão dos sentimentos, acrescenta, além disso, um preenchimento mais determinado para o sujeito, pelo qual este é igualmente tocado e transportado.

 

É isto que se deixa indicar como fundamento essencial da potência elementar da música.

 

B) Para que a música exerça seu efeito pleno, porém, é necessário mais do que o som abstrato em seu movimento temporal. O segundo lado, que deve ser acrescentado, é o conteúdo, um sentimento pleno de espírito para o ânimo, e a expressão, a alma deste conteúdo nos sons.

 

Por isso, não devemos cultivar nenhuma opinião sem gosto sobre a onipotência da música como tal, da qual escritores antigos, profanos ou sagrados, nos relatam tantas histórias fabulosas. Já nos milagres civilizatórios de Orfeu os sons e seu movimento bastavam para as bestas selvagens que se colocavam mansas em torno dele, mas não para os homens que exigiam o conteúdo de um ensinamento mais elevado. Assim como, pois, também os hinos que nos foram herdados sob o nome de Orfeu, mesmo que não em sua forma original, contém representações mitológicas e outras. De modo semelhante os cantos de guerra de Tirtaio também são famosos, por meio dos quais, como se conta, os lacedemômios, depois de tantas lutas em vão, foram incitados a um entusiasmo irresistível e por fim conseguiram a vitória contra os messênios. Também aqui o conteúdo das representações suscitadas por estas elegias era a questão principal, embora também não se possa negar ao lado musical seu valor e seu efeito, em povos bárbaros e particularmente em épocas de paixões profundamente revoltas. Os assobios |158| dos escoceses contribuíram essencialmente para o incitamento da coragem, e a potência da Marselhesa, do Ça ira etc., na Revolução Francesa, não pode ser negada. Mas o autêntico entusiasmo encontra o seu fundamento na Ideia determinada, no interesse verdadeiro do espírito, do qual uma nação está preenchida, e que pode ser elevado por meio da música para um sentimento instantaneamente mais vivo, na medida em que os sons, o ritmo, a melodia, arrastam consigo o sujeito que a eles se entrega. Na época atual, porém, não iremos considerar a música capaz de produzir já por si mesma tal disposição da coragem [Mut] e do desprezo da morte. Hoje em dia, por exemplo, tem-se praticamente em todos os exércitos uma música regimental relativamente boa, que ocupa, dispersa, estimula à marcha, inflama para o ataque. Mas com isso não se pensa que se pode derrubar o inimigo; a coragem ainda não vem com o mero soprar e tamborilar, e haveria de se reunir muitos trompetes antes que uma fortificação desabasse diante de seu som como as muralhas de Jericó. O entusiasmo do pensamento, os canhões, a genialidade dos generais são o que agora provocam este efeito e não a música, que apenas pode valer como suporte para as potências que de outro modo já preencheram e cativaram o ânimo.

 

y) Um último lado que diz respeito ao efeito subjetivo dos sons reside no modo segundo o qual a obra de arte musical chega até nós, à diferença de outras obras de arte. Na medida em que os sons não possuem, por si mesmos, como as obras da arquitetura, as estátuas, os quadros, uma subsistência objetiva duradoura, e sim em sua súbita passagem já novamente desaparecem, então a obra de arte musical, já por causa desta existência meramente momentânea, necessita, por um lado, de uma reprodução sempre repetida. A necessidade de uma tal vivificação renovada tem, contudo, ainda um outro sentido, mais profundo. Pois na medida em que é o interior subjetivo mesmo que a música toma para si como conteúdo, com a finalidade de se levar à aparição não como forma exterior e como obra que está presente objetivamente, e sim como interioridade |159| subjetiva, então a exteriorização também deve resultar imediatamente como comunicação de um sujeito vivo, na qual o mesmo introduz toda a sua interioridade própria. Isso ocorre com mais frequência na canção da voz humana, e relativamente já na música instrumental, que apenas é capaz de chegar a uma execução por meio do artista que a executa e por meio de sua habilidade viva, tanto espiritual quanto técnica.

 

Por meio desta subjetividade, no que concerne à efetivação da obra de arte musical, completa-se primeiramente o significado do subjetivo na música, mas que então, segundo esta direção, também pode se isolar no extremo unilateral, de modo que a virtuosidade subjetiva da reprodução como tal é tornada o único ponto central e conteúdo da fruição.

 

Creio que estas observações são suficientes no que concerne ao caráter geral da música.


                                              

 

 

 

 

  Georg W. F. Hegel (1770-1831)

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