
In: Claude Palisca: História da Música Ocidental. Trad. Ana Luisa Faria. Rev. Técnica: Adriana Latino. Lisboa: Gradiva, 1997.
Excerto de Le Intitutione Harmoniche, Veneza, 1559, parte I, cap, 1, pp.1-2.
p. 185. Quer devido à adversidade da época, quer à negligência dos homens, que tinham pouco apreço não apenas pela música, mas também por outros estudos, a música desceu da suprema altura a que outrora se elevara, caindo na baixeza mais abjecta. Enquanto outrora era objeto de enorme veneração, veio mais tarde a ser considerada tão vil e desprezível que os homens instruídos mal reconheciam a sua existência. Isto sucedeu, a meu ver, por ela não ter conservado a menor parcela ou vestígio dessa severidade honrada que a caracteriza. Por conseguinte, todos se compraziam em destroçá-la e em tratá-la da pior forma, de muitas e indignas maneiras. Porém, a Deus onipotente agrada que seu infinito poder, bondade e sabedoria sejam exaltados e manifestados aos homens através de hinos acompanhados de graciosas e doces inflexões. Não lhe pareceu tolerável que a arte que serve a seu culto fosse tida por vil, se
até na Terra se reconhece quanta doçura pode haver no canto dos anjos que nos céus louvam a sua majestade. Por isso, concedeu ao nosso tempo a graça do nascimento de Adrian Willaert, na verdade um dos mais raros intelectos que alguma vez se exercitaram na prática musical. À guisa de um novo Pitágoras, examinando minuciosamente aquilo de que a música carecia e encontrando uma infinidade de erros, começou a removê-los e a devolver a música ao lugar honroso e digno que outrora teve e, segundo a razão, deve ter. Demonstrou uma ordem racional de compor cada peça musical de maneira elegante, disso dando claros modelos nas suas composições.
G. Zarlino. Le Instiutione Harmoniche, livro III, cap. 31.
P. 238. Quando um compositor pretende exprimir a aspereza, a amargura e coisas semelhantes, o melhor será dispor as vozes da composição por forma que evoluam em movimentos que não comportem o meio-tom, como o tom inteiro e o dítono. Deve permitir que a sexta maior e a décima terceira maior, que são, por natureza, algo ásperas, se façam ouvir acima da nota mais grave do concentus, bem como recorrer ao retardo [sincopa] da quarta ou da décima primeira acima da voz mais grave, a par de movimentos relativamente lentos, entre os quais pode também utilizar-se o retardo da sétima. Todavia, quando pretender exprimir efeitos de tristeza e desgosto, deverá observando as regras indicadas) recorrer a movimentos que evoluem por meio do meio-tom, do semidítono e de intervalos semelhantes, utilizando com freqüência sextas ou décimas terceiras menores acima da nota mais grave da composição, sendo estas, por natureza, suaves e brandas, especialmente quando combinadas de maneira justa e com discrição e critério.Sublinhe-se, porém, que a causa destes vários efeitos deve ser atribuída não apenas às consonâncias referidas, usadas da maneira acima descrita, mas também aos movimentos que as vozes efetuam ao cantar, Estes são de dois tipos, a saber, naturais e acidentais. Os movimentos naturais são os que se fazem entre as notas naturais de uma composição onde não intervém nenhum sinal ou nota acidental. Os movimentos acidentais são os efetuados por meio das notas acidentais, que são indicadas pelos sinais # e b. Os movimentos naturais têm mais virilidade do que os movimentos acidentais, que são um tanto lânguidos [...]. Por este motivo, os primeiros movimentos podem servir para exprimir efeitos de aspereza e amargura e os últimos para os efeitos de dor e tristeza.
Gioseffo Zarlino (1517-1590)






