
In: RAYNOR, Henry. História Social da Música: da Idade Média a Beethoven. Trad. N. C. Caixeiro. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981.
Bula Docta Santorum (1323)
pp. 48-49. Certos discípulos da nova escola, ocupando-se muito com a divisão medida dos tempora, exibem sua prolação em notas novas para nós, preferindo inventar novos métodos próprios a continuar cantando à maneira antiga. Portanto, a música do Ofício Divino é perturbada pelas notas desses valores pequenos. Ademais, prejudicam a melodia com acréscimos, perturbam com solfejos e às vezes enchem-nas com partes superiores constituída de canções seculares. O resultado é que, em geral, perdem de vista as fontes fundamentais das nossas melodias no Antifonário e Gradual, e esquecem o que estão sepultando sob as suas superestruturas. Podem tornar-se inteiramente ignorantes dos modos eclesiásticos, o que já deixaram de distinguir, e os limites que ultrapassam na prolixidade das suas notas. Estão inteiramente ofuscados os modestos graus de subida e moderadas descidas do cantochão, pelo qual os modos são reconhecidos. As incessantes idas e vindas das vozes, intoxicando mais que acalmando o ouvido, enquanto os cantores por sua vez tentam comunicar a emoção da música por seus gestos. A conseqüência de tudo isso é que a devoção, verdadeiro objetivo de todo culto, é negligenciada, e a distração, que deva ser evitada, aumenta.
Esse estado de coisas, que se tornou comum, nós e nossos irmãos achamos necessitar de correção. Portanto, apressamo-nos em proibir esses métodos ou, antes, de afastá-los da casa de Deus mais eficazmente do que foi feito no passado. Por essa razão, tendo-nos aconselhado com nossos irmãos, determinamos estritamente que ninguém doravante se considere livre para utilizar esses métodos, ou métodos semelhantes, no canto do Ofício canônico ou em celebrações solenes da missa...
Entretanto, não é nosso desejo proibir o uso ocasional – sobretudo em dias festivos ou em celebração solene da missa e do Ofício Divino – do uso de algumas consonâncias, por exemplo, a oitava, a quinta e a quarta, que exaltam a beleza das melodias. Esses intervalos, portanto, podem ser cantados sobre o canto eclesiástico, mas de tal modo que mantenham intacta a integridade do canto, e que nada na música prescrita seja alterado. Utilizadas desse modo, as consonâncias seriam, mais do que qualquer outra música, suavizadoras para o ouvinte e inspiradoras de sua devoção, sem destruir sentimento religioso no espírito dos cantores.
Papa João XXII (1249-1334)






