
In: Tomás, L. Música e Filosofia: Estética Musical. São Paulo: Vitale 2005
Discurso preliminar da Enciclopédia (excertos)
A poesia, que vem depois da pintura e da escultura, e que para a imitação se serve apenas das palavras dispostas conforme uma harmonia agradável ao ouvido, fala mais à imaginação do que aos sentidos; apresenta diante daquela, de uma maneira viva e comovedora, os objetos que compõem este universo (....) Finalmente a música, que fala ao mesmo tempo à imaginação e aos sentidos, ocupa o último lugar na hierarquia da imitação; não porque sua imitação seja menos perfeita aos objetos que se propõe representar, mas porque até agora parece ter se limitado a um pequeno número de imagens; no entanto, não se deve atribuir isso tanto a sua natureza, mas sim a escassez inventiva e de recursos da maior parte daqueles que a cultivam.
A música que em sua origem talvez se destinasse apenas a representar ruídos, tornou-se pouco a pouco uma espécie de discurso ou mesmo língua, pela qual exprimimos diferentes sentimentos da alma, ou ainda, suas diferentes paixões: mas por que reduzir esta expressão somente às paixões e não estender, na medida do possivel, até às próprias sensações? Mesmo que as percepções que recebemos por nossos diversos órgãos sejam diferentes entre si, assim como os objetos percebidos, podemos ao menos, compará-las de um outro ponto de vista que lhes é comum, ou seja, pela situação de prazer ou perturbação que provocam em nossa alma. (...) Eu não compreendo por que um músico que pretende retratar um objeto assustador, não pode procurar na natureza um tipo de ruído que reproduza em nós uma emoção semelhante àquela que um objeto [assustador] nos excita.
(...) Toda música que não retrata nada, é apenas ruído; e sem o hábito que desnaturaliza tudo, ela oferecerá tanto prazer quanto uma sequência de harmoniosas palavras sonoras desprovidas de ordem e de ligações. É verdade que um musicista atento a retratar tudo, nos apresentará em variadas circunstâncias, quadros harmônicos que serão endereçados apenas para os sentidos vulgares; mas o que devemos concluir, é que após terem feito uma arte para aprender música, deveriam também ter realizado uma arte para escutá-la.
Jean de Rond D'Alembert (1717-1783)






