top of page

DEBUSSY, Claude. Monsieur Croche e outros ensaios sobre música. Trad. R. Ramalhete. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira. 1989

 

 

 

Musica, outubro de 1902

A Orientação Musical

 

 

Enquete de Charles Joly publicada no primeiro número de Musica: “Pode-se prever o que será a música de amanhã? Parece que não serão mais seguidos os caminhos já conhecidos. Mas para onde vamos?”

As questões deste gênero são geralmente resolvidas por pessoas muito honradas que nada sabem de música, uma condição que lhes permite contribuir muito desinteressadamente. Isto aliás não tem importância alguma e, felizmente, também não “oriente” coisa alguma.

O que de melhor se poderia desejar para a música francesa seria a supressão do estudo de harmonia tal como é praticada na escola, de fato a maneira mais solenemente ridícula de reunir sons. Tem, além disso, o grave defeito de unificar a escrita a tal ponto que todos os músicos, com algumas exceções, harmonizam do mesmo modo.

O velho Bach, que engloba toda a música, não ligava, podem acreditar, para as fórmulas harmônicas. Preferia a elas o jogo livre das sonoridades, cujas curvas, paralelas ou opostas, preparavam o desabrochar inesperado que orna com imperecível beleza o menor de seus inúmeros cadernos.

Era a época em que florescia “o adorável arabesco”, e a música participava assim das leis de beleza inscritas no movimento total da natureza. Nossa época seria, antes, o triunfo do “estilo folheado” – falo de um modo geral e não esqueço o gênio particular de alguns de meus confrades.

Quanto à música dramática contemporânea, variou da metafísica wagneriana à historinha italiana – o que não parece afirmar uma orientação bem francesa. Talvez ela acabe chegando à clareza, à concisão na expressão e na forma (qualidades fundamentais do gênio francês). Será que se voltará a encontrar a múltipla fantasia de que sé esta arte é capaz, quando se parece esquecer, sob o pretexto de pesquisa que aparentemente, à primeira vista, vão afastar qualquer música em curto prazo?

A arte é a mais bela das mentiras. E embora se tente nela incorporar a vida em seu cenário cotidiano, é preciso desejar que permaneça uma mentira, sob pena de se tornar uma coisa utilitária, triste como uma fábrica. O povo, e também a elite, não vêm procurar nela o esquecimento, o que ainda é uma forma de mentira? – O próprio sorriso da Gioconda provavelmente nunca existiu materialmente, no entanto, seu encanto é eterno. – Então não desiludamos ninguém trazendo o sonho de volta para realidades precisas demais... Contentemo-nos com transposições mais consoladoras pelo que podem conter de um expressão de beleza que não morrerá.

Receio que esta carta chegue tarde demais para servi-lo; que ao menos seja para mim a oportunidade de assegurar minha simpática cordialidade por seu empreendimento.

 

 

Mercure de France, janeiro de 1903

A influência alemã na música francesa

 

A influência alemã nunca em efeito nefasto senão nos espíritos passíveis de serem domesticados, ou, melhor dizendo, que tomam a palavra influência no sentido de “imitação”.

Aliás, é difícil delimitar a influência: do segundo Fausto de Goethe, da Missa em si menor de Bach; são obras que permanecerão monumentos da beleza, tão únicas quanto inimitáveis; têm uma influência igual à do mar ou do céu, o que não é intencionalmente alemão, mas universal.

Mais perto de nós, Wagner talvez seja um exemplo de domesticação. Entretanto, os músicos sempre lhe podem ser gratos por ter ele deixado um admirável documento sobre a inutilidade das fórmulas: é Parsifal...desmentido genial à Tetralogia.

Wagner, se podemos nos exprimir com um pouco da grandiloquência que lhe convém, foi um belo pôr-do-sol que confundiram com uma aurora....Haverá sempre períodos de imitação ou de influência de que não se pode prever a duração, e ainda menos a nacionalidade.

- Verdade fácil ao mesmo tempo que lei de evolução.

Esses períodos são necessários para aqueles que gostam de caminhos percorridos e tranquilos. Eles permitirão aos outros ir mais longe...para aquela terra onde se sofre, às vezes tão amargamente por ter encontrado a Beleza. Portanto, está tudo muito bem; quanto ao resto, são questões de comércio, infelizmente não separáveis das questões da arte.

 

 

S.I.M., 15 de fevereiro de 1913- p. 197-199

Do gosto.

 

Em nossa época, em que pouco a pouco se perde o sentido do mistério, ocupadíssimos como estamos em experimentar diversos sistemas de treinamento humano, era necessário que perdêssemos igualmente o verdadeiro sentido da palavra “gosto”.

No século passado, ter gosto era apenas uma maneira amável de defender suas opiniões. Hoje em dia, essa palavra tomou tal extensão, serve para tantas manifestações, que já não passa ais de uma espécie de argumento “soco americano”, com toda certeza afirmativo, mas privado de elegância. Por uma inclinação natural o “gosto” feito de nuances e delicadezas tornou-se esse “mau gosto” onde formas e cores travam combates singulares...Observação de ordem geral demais, já que aqui só se deve tratar de música – empresa suficientemente árdua.

O gênio evidentemente pode dispensar-se de ter gosto. Exemplo: Beethoven. Mas pode ocorrer o oposto: Mozart que, à mesma quantidade de gênio, acrescenta o gosto mais delicado. Se olharmos a obra de J.S. Bach, deus benevolente ao qual os músicos deveriam dirigir uma prece antes de iniciarem um trabalho, para se preservarem da mediocridade, aquela obra inumerável onde se encontra a cada passo o que pensamos ser de ontem, desde o caprichoso arabesco até a efusão religiosa para a qual não encontramos nada melhor até agora, nela procuraremos em vão uma falta de gosto.

Pórcia, do Mercador de Veneza, fala de uma música que todo ser traz consigo...”Desgraçado”, diz ela, “daquele que não a ouve...”. Palavras admiráveis, sobre as quais deveriam meditar aqueles que, antes de dar ouvidos ao que lhes canta na alma, preocupam-se em saber a fórmula que lhes servirá melhor. Ou, muito engenhosamente, justapõem compassos, tristes como pequenos cubos. Música com cheiro de mesa e chinelo. Isto tomado num sentido especial aos mecânicos que, experimentando uma máquina mal montada, dela dizem: “Está com excesso de óleo”. Desconfiemos da escrita. Trabalho de toupeira, em que terminamos por reduzir a beleza viva dos sons a uma operação onde, penosamente, dois e dois são quatro....

Já há muito tempo a música conhece o que os matemáticos chamam de loucura do numero:

Principalmente, evitemos sistemas que não passam de “pega-diletantes”.

Já existiram, até ainda existem, apesar das desordens trazidas pela civilização, pequenos povos encantadores que aprenderam a música tão simplesmente quanto se aprende a respirar. Seu conservatório é: o ritmo eterno do mar, o zunir do vento nas folhas, e mil pequenos ruídos que eles ouviram com cuidado, sem nunca consultar arbitrários tratados. Suas tradições só existem em velhíssimas canções, misturadas com danças, a que cada um, século após século, trouxe sua respeitosa contribuição. Entretanto, a música javanesa observa um contraponto junto do qual o de Palestrina não passa de brincadeira de criança. E se escutarmos, sem ideia preconcebida de europeu, o encanto da “percussão” deles, somos realmente obrigados a constatar que a nossa é apenas um ruído bárbaro de parque de diversões.

Entre os anamitas representa-se uma espécie de embrião de drama lírico, de influência chinesa, onde se reconhece a fórmula tetralógica: apenas há mais deuses e menos cenários...Uma pequena clarineta furiosa conduz a emoção; um tantã organiza o terror....e é só! Não há teatro especial, não há orquestra escondida. Nada a não ser uma instintiva necessidade de arte, engenhosa para se satisfazer; nenhum vestígio de mau gosto. – E lembrar que essa gente nunca teve ideia de ir buscar suas fórmulas na escola de Munique: o que é que eles pensam?

Então foram os profissionais que estragaram os países civilizados? E a acusação feita ao público de só gostar de música fácil (música ruim!), será que se enganou de endereço?

Na verdade, a música torna-se “difícil” sempre que ela não existe, difícil sendo apenas uma palavra-biombo para esconder sua pobreza. Só a uma música, e esta toma em si mesma o direito de existir, quer adote o ritmo de uma valsa – quiçá mesmo de café-concerto -, quer o quadro imponente de uma sinfonia. E por que não confessar que, nesses dois casos, o bom gosto estará muitas vezes do lado da valsa, ao passo que a sinfonia dissimulará com esforço o pomposo amontoado de sua mediocridade!

Então não nos obstinemos mais a proclamar este lugar-comum sólido como a tolice: gostos e cores não se discutem...Pelo contrario, discutamos, voltemos a encontrar nosso gosto, não que ele esteja perdido, mas nós o sufocamos sob edredons setentrionais. Ele será nosso melhor apoio na luta a ser sustentada contra os bárbaros que se tornaram bem mais terríveis desde que separaram os cabelos com um risca no meio.

Sustentemos que a beleza de uma obra de arte permanecerá sempre misteriosa, ou seja, que nunca se poderá exatamente verificar “como é que isso é feito”. Conservemos, a qualquer preço, essa magia peculiar da música. Por sua essência, ela é mais passível de contê-la que qualquer outra arte.

Quando o deus Pã juntou os sete tubos de sua flauta, ele primeiro imitou apenas a longa nota melancólica do sapo queixando-se para os raios da lua. Mais tarde, lutou com o canto dos pássaros. Provavelmente, desde esse tempo os pássaros enriqueceram seu repertório.

Essas são origens suficientemente sagradas, portanto a música pode ter certo orgulho e conservar uma parte do mistério...Em nome de todos os deuses, não tentemos livrá-la disso nem procurar explicações. Enfeitemo-la com essa delicada observância do “gosto”. E que ele seja guardião do Secreto. (...)

 

S.I.M., 15 de maio de 1913. P. 206-207

Os Concertos

 

Concertos Colonne

 

(...). Numa época como a nossa, em que o gênio da mecânica atinge uma perfeição insuspeita, ouvem-se as obras mais célebres tão facilmente quanto se toma um chope, custa apenas dez cêntimos, como as balanças automáticas. Como deixar de recear essa domesticação do som, essa magia que, cabendo num disco, cada um despertará à sua vontade? Não haverá aí uma causa de perda das forças misteriosas de uma arte que se poderia crer indestrutível?

Como deixar de ter saudades dos deliciosos percorredores de estrada, recitadores de baladas, menestréis de boa goela que guardavam ingenuamente a beleza das lendas, sem pensar em tirar daí outro proveito senão o pão cotidiano? Agora daí se tiram óperas onde certamente cabe mais música, isto é, ocorre mais barulho; este inconveniente é compensado por uma grande riqueza de encenação.

Temos também o “drama lírico”, que igualmente toma emprestado às lendas...Resta saber se nossas almas são suficientemente lendárias. Em suma, talvez ainda não tenhamos encontrado a forma lírica que responda ao nosso estado de espírito atual.

O erro fundamental deriva do fato de que se devia considerar Wagner como a genial conclusão de uma época e não como um caminho aberto para o Futuro! Tornar o desenvolvimento sinfônico responsável pela ação dramática era apenas a solução menos ruim e nunca serviu bem senão a Wagner e ao pensamento alemão. Ao adotá-la, nossa necessidade de clareza só podia enfraquecer-se nela e até afogar-se.

Por isso é que estamos marcando passo sem saber exatamente para onde vamos. No entanto, várias estradas se oferecem, nas quais poderíamos novamente encontrar a marca, ainda fresca, do que extraviamos do pensamento francês.

Só falaremos da música dita “futurista” par fixar uma data...Ela tem a pretensão de reunir os ruídos diversos das modernas capitais numa total sinfonia, desde os pistons das locomotivas até o guizo dos restauradores de porcelana. É muito prático no que se refere ao recrutamento da orquestra; somente, será que esta alguma vez atingirá a sonoridade, já satisfatória, de uma usina metalúrgica em pleno trabalho? Esperemos sem sorrir, pensando que efeito o final do Crepúsculo dos Deuses poderia produzir em um daqueles menestréis que ainda a pouco evocávamos. 

Falta energia a estas observações e é estranho que as fantasias do Progresso nos levem a ser conservadores. Que não se pense em concluir a partir disso por uma decadência qualquer. Mas tomemos cuidado com a mecânica, que já devorou tantas belas coisas. E se quisermos de qualquer maneira satisfazer esse monstro, abandonemos-lhe o velho repertório! (...)

 

 

Enquete do Paris-Journal, 20 de maio de 1910.

Um Renascimento do ideal clássico?

 

 

O autor de Pelléas e La Mer, como muitos outros entre nossos ilustres correspondentes, reprova na palavra “clássico” a ambiguidade de sua acepção.

 

- O que se dever entender com essa palavra? pergunta-me. Será mesmo possível delimitar, definir a noção que ela designa? No sentido afirmativo, pode-se dizer que tudo o que é belo torna-se clássico com o tempo. No sentido negativo, se o espírito clássico e o espírito acadêmico se confundirem, pois bem! sou de opinião de que se precisa também de obras acadêmicas para satisfazer os espíritos timoratos dando-lhes a ilusão da certeza.

Mas um movimento de conjunto, direções gerais, onde é que o senhor vê alguma coisa parecida com isso? Antigamente talvez tenha havido épocas disciplinares, ou que ao menos assim nos parecem a distância, em que os esforços individuais se harmonizavam. Mas hoje em dia!... Cada um puxa de seu lado, procura desenvolver sua personalidade, se tiver uma, ou se esforça por imitar, exagerando-a, exasperando-a, a personalidade do vizinho – e é só.

Amanhã? Não sei, e quem pode prever? Será que a excessiva “concordância” que divide os artistas permite anunciar o despertar de um ideal comum?

Houve, sim, uma grande época francesa, foi o século XVIII, o tempo de Rameau. A quantas influências hostis a tradição, que mal tinha sido criada, teve de ceder? Foi, primeiro, o glucksismo, que preparou de longe o wagnerismo. Veio em seguida Rossini, que deixou poucos traços; depois, muito mais importante, Meyerbeer, de quem a influência é pouquíssimo conhecida, embora seja visível, agora, em muitos compositores; - e enfim Wagner, que nos foi revelado com um atraso de trinta anos.

Wagner tirou do drama lírico tudo o que este podia dar. Agora, tem-se que encontrar outra coisa. O sr. Richard Strauss é apenas um Wagner exasperado, um artista doublé de um maravilhoso prestidigitador quando ele mesmo rege a execução de suas obras...

O sr. Debussy disse-nos da sua admiração profunda pelos velhos mestres do século XVI e pelo grande Bach.

- Aqueles são a própria música, a força elementar à qual ninguém resiste. Ninguém mais fez música depois de Bach, porque, depois dele, ninguém se encontrou em condições favoráveis à criação musical. E não é da nossa época, infelizmente!, que seria razoável esperar-se a volta dessas condições felizes.

Isto significa que se deca desaparecer? Longe disso! A música renascerá. Trabalhemos! Trabalhemos, cada um segundo a sua inspiração. O futuro dirá quais terão sido os clássicos.

 

 

The Etude (Filadélfia), junho de 1904

Uma apreciação sobre a música contemporânea

 

 

(Entrevista pelo sr. D. Calvocoressi)

 

Não tenho a pretensão de fazer “crítica”, mas a de expor, simples e francamente, minhas impressões. Na crítica o sentimento pessoal tem um papel grande demais e muitas vezes tudo o que está escrito ou dito pode se reduzir a : “você está errado porque acontece que eu penso de outra maneira”, ou o contrário. O que se deve fazer é descobrir os principais impulsos que deram origem às obras de arte e o princípio vivo que as constitui.

Os entrevistadores muitas vezes têm-me atribuído coisas surpreendentes, que me espantei muito em ler. É em geral difícil falar de música contemporânea. Os acontecimentos se acumulam a uma velocidade incrível e tentar encontrar uma convergência para eles resulta muitas vezes em impossibilidades. No ponto em que está atualmente a arte musical, quem poderia fazer uma escolha entre as muitas estradas divergentes seguidas pelos compositores? A tarefa é verdadeiramente embaraçosa. Temas que lidar não somente com um grande número de obras contemporâneas, mas também com uma quantidade de obras do passado cujos ensinamentos são amiúdes contraditórios e cuja influência sobre nossa sensibilidade e nossa cultura se torna cada vez maior. E se até mesmo no patrimônio que nos vem do passado encontramos elementos que nos deixam perplexos, que se pode dizer do presente?

Na medida em que isso me toca, tenho pouco a dizer a respeito e ainda menos sobre o futuro da música; tudo isso é mais ou menos um caso de conjetura e tenta-me pouco. Além disso, não acompanho muito a atualidade. Chega um momento na vida em que queremos nos concentrar e agora estabelece pra mim mesmo, como regra, ouvir o mínimo de música possível.

Pegue, por exemplo, Schönberg. Nunca ouvi nenhuma de suas obras. Como meu interesse foi suscitado pelo que se escreve sobre ele, resolvi ler dele um quarteto, mas ainda não consegui fazê-lo.

Um ponto que quero realmente acentuar é que considero um crime julgar prematuramente. O costume antigo, que consistia em permitir que os artistas amadurecessem em paz e não se prestar atenção neles até que sua arte estivesse plenamente afirmada, considero muito mais sadio que o de hoje.

É imprudente atrapalhar jovens artistas, tornando-os assuntos de discussões muitas vezes superficiais. A pressa febril que se tem para discutir, dissecar e classificar é uma doença do nosso tempo. Mal um compositor fez sua aparição, começa-se a consagrar artigos a ele; as pessoas se lançam sobre suas obras e a elas aplicam ambiciosas definições.

Julgo, por exemplo, que, por muito tentador que isso possa ser, ainda não chegou o momento de julgar jovens artistas húngaros como Bartok e Kodaly. São ambos extremamente interessantes e cheios de méritos, que estão procurando apaixonadamente seu caminho, não há dúvida nenhuma. Eles têm quase certeza de encontrá-lo. E uma das características importantes da música deles é a evidente afinidade entre seu espírito e o da música francesa moderna. Mas não direi mais que isso a respeito.

Igor Stravinsky oferece outro excelente exemplo de um jovem artista dotado de viva e ardente curiosidade. Acho que essa atitude de espírito é muito louvável nessa época da sua vida. É bom para os jovens artistas serem abertos e irem procurar seu caminho em todas as direções, mas acho que ele ficará mais comportado no tempo certo. É o único dos jovens russos com quem mantenho relações. Durante minha recente estada em Petersburgo e Moscou, encontrei vários outros compositores, mas não tive oportunidade de ouvir a música deles.

Praticamente, a totalidade da música moderna espanhola vem diretamente do repertório popular. E no entanto nunca lhe falta variedade, a tal ponto que se pode julgar o quanto essa fonte é inesgotável. Dentre os músicos espanhóis de hoje, o mais típico talvez seja Albeniz. Abeberou-se nas fontes da música popular com profundeza bastante para estar absolutamente impregnado do seu estilo e do seu verdadeiro espírito. A profusão da sua imaginação é realmente prodigiosa, não menos que sua capacidade para criar a atmosfera.

Por que falar de ópera italiana moderna? Isto seria atribuir-lhe uma importância de que ela é absolutamente desprovida. A maior parte do público se deita na vulgaridade e no brilho das lantejoulas, é em todos os tempos se compraz no mau gosto. Os italianos, bem conscientes do que quer o público, atendem aos seus desejos. Não creio que a influência deles seja nociva, pois cada artista compõe as obras que estava predestinado a escrever. Se alguém é atraído pelo medíocre, a realidade o revela medíocre, e podemos supor que pelo medíocre, a realidade o revela medíocre, e podemos supor que de qualquer maneira ele não poderia ultrapassar a mediocridade.

(Calcovoressi pergunta a Debussy sobre a receptividade dos diversos públicos diante dos quais ele tocou ou regeu)

Não pode, penso, haver uma regra geral. É uma questão de afinidades. Como estava dizendo há pouco, os húngaros estão muito próximos de nós, franceses, e então nossa música lhes agrada. Os russos estão provavelmente bem preparados para apreciar a produção da escola francesa moderna. O público inglês tem uma capacidade muito notável para revelar atenção e respeito; não sem julga obrigado a manifestar-se de todo barulhento quando não capta na primeira audição todo o alcance de uma nova obra. E naturalmente que essa é, quando se trata de avaliar a música moderna, a melhor atitude. Imaginar que se possa julgar uma obra de arte em cima de uma primeira impressão é a mais estranha e a mais perigosa das ilusões.

 

 

 

 

 

 

 

    

 

 

 

Claude Debussy (1862-1918)

© 2023 by  Limo Service. Proudly made by Wix.com 

  • w-facebook
  • Twitter Clean
  • w-googleplus
bottom of page