
In: PALISCA, C. História da Música Ocidental. Trad. Ana Luisa Faria. Rev. Técnica: Adriana Latino. Lisboa: Gradiva, 1997, p. 184.
Aldo Manuzio: Lettere volgari di diversi nobilissimi huomini, livro 3, Veneza, 1564.
A música era entre os antigos a mais esplêndida de todas as belas-artes. Com ela suscitavam poderosos efeitos que hoje não conseguimos obter nem com a retórica nem com a oratória, movendo as paixões e os afetos da alma [...] Vejo e ouço a música do nosso tempo, que alguns dizem ter alcançado um grau de requinte e perfeição que nunca antes foi nem podia ser atingido [...] Mas uma coisa é certa – a música do nosso tempo não é produto da teoria, mas sim uma mera aplicação da prática. Kyrie eleison significa “Senhor, tende piedade de nós”. O músico da antiguidade teria expressado este afeto de implorar o perdão do Senhor recorrendo ao modo mixolídio, que evocaria um sentimento de contrição no coração e na alma. E, se não comovesse o ouvinte até às lágrimas, inclinaria ao menos à piedade os espíritos mais
empedernidos. E, assim, usaria os diversos modos de acordo com as palavras e estabeleceria um contraste entre Kyrie e Agnus Dei, entre Gloria e Credo, Santus e Pleni, salmo e motete. Hoje em dia cantam-se estas coisas de qualquer maneira, confundindo-as num estilo indiferente e incerto [...] Eu gostaria, em suma, que, quando uma missa é composta para ser cantada na igreja, a música fosse concebida em harmonia com o sentido fundamental das palavras, em certos intervalos e números capazes de conduzir os nosso afetos à religião e à piedade, e que o mesmo se fizesse com os salmos, hinos e outros louvores que se consagram ao Senhor [...] Atualmente toda diligência e esforço são postos na composição de passagens imitativas, de forma que, enquanto uma voz diz Sanctus, outra diz Sabaoth, outra ainda diz Gloria tua, com uivos, berros e gaguejos, mais parecendo gatos em Janeiro do que flores em Maio.
Bernardino Cirillo (1500-1575)






