
Cynthia Sampaio de Gusmão. A harmônica na Antiguidade grega. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Filosofia. 2010
Link: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8133/tde-07052010-094838/pt-br.php
Elementos de Harmônica, Livro II (as citações em grego foram retiradas)
P. 72 - “Como um todo, entendemos a Harmônica como a teoria de todos os mélos e de como a voz estabelece, de maneira natural, os intervalos, tensionando-se ou distendendo-se. Para nós, o movimento da voz ocorre de acordo com a natureza e os intervalos não se estabelecem ao acaso.
“Acerca dessas coisas, tentamos apontar demonstrações de acordo com os fenômenos, não como os antecessores, que divagavam e desviavam-se da percepção sensível como se ela não fosse precisa, maquinando causas no âmbito do intelecto e declarando ser na razões de alguns números e na velocidade de outros que surge o grave e o agudo; elucubrando discursos confusos e contrários aos fenômenos. Eles dão respostas oraculares sem causa nem demonstração em relação a cada coisa, e nem bem enumeram os fenômenos. Nós buscamos adotar os princípios que são evidentes aos que conhecem música e demonstrar o que procede a partir deles (Meibom, 32, 6-22)
Sobre a Harmônica
P. 75-76 - “É melhor haver exposto, de início uniformemente, o modo de condução do estudo a fim de que, conhecendo de antemão o caminho que trilharemos e sabendo em qual parte dela estamos, o percorramos mais facilmente, e não aconteça de captarmos erroneamente o assunto.
“Isso acontecia, tal como Aristóteles sempre narrava a respeito, com a maioria dos que ouviam a palestra sobre o bem de Platão. Cada um vinha pensando captar algo acerca das coisas consideradas como o bem das pessoas, como, por exemplo, riqueza, saúde, força, em suma, alguma felicidade total e extraordinária.
“E, quando as palavras iam surgindo, sobre assuntos matemáticos, aritméticos, geométricos e astrológicos e, mais, a conclusão final de que o bem é uma unidade, isso parecia ser algo tão contrário à expectativa que alguns negligenciavam o assunto, outros censuravam. E por qual motivo? Pelo fato de não saberem com antecedência a natureza do objeto tratado, precipitavam-se, atraídos pelo título da palestra à noda dos sofistas, e acabavam boquiabertos.
“Mas se alguém, penso eu, tivesse estabelecido de antemão o todo, o aspirante à palestra poderia abandoná-la ou, se gostasse, ficaria, com base no que foi exposto. O próprio Aristóteles por isso mesmo fazia um prólogo para os que tinham intenção de ouvi-lo acerca das coisas que versava o estudo e o que ele era.
“Portanto, a nós parece melhor, tal como dissemos no princípio, expor antecipadamente o modo de condução do estudo” (Meibom, 30.15-31.13)
Aires Rodeia Pereira. A Estética Musical em Aristóxeno de Tarento. Humanitas, vol. XLVII, p. 469-479, 1995.
link: http://www.uc.pt/fluc/eclassicos/publicacoes/ficheiros/humanitas47/32_Rodeia_Pereira.pdf
Ptolomeu Harm. 1, 2: “Pitagóricos e Aristoxénios estão errados, uns e outros. Segundo os Pitagóricos, não é indispensável seguir as impressões auditivas em fatos nos quais todos os outros as seguem. No estabelecimento de diferenciações entre sons, estabelecem rationes, que na maior parte dos casos se manifestam inapropriadas aos fenômenos.[...] Em contraste, os Aristoxénios pensam as coisas, o mais possível como dependentes da percepção e usam mal a razão, ao tomá-la como acidente de percurso, entrando em contradição com a razão em si mesma e com a atividade fenomênica. Contrariam a razão, na medida em que não distinguem a principal característica dos sons, ao recusar os números, isto é, as imagens das rationes, e aceitam apenas os intervalos entre sons. Contrariam a evidencia fenomênica, na medida em que associam os números aos intervalos, o que inconscientemente é uma submissão aos sentidos.”
Porfírio, Comm. in Ptol.Harm. 9, 12: “Uns valorizam razão e percepção atribuindo-lhes igual poder. Outros entendem que uma é dominante e a outra subalterna. Aristóxeno de Tarento aceita-as em igualdade”.
Porfírio, Comm. in Ptol. Harm. 9, 14: “Comecemos a partir dos fenômenos, e, em conformidade com eles, as suas consequências devem estar de acordo com a razão. Estas consequências são consultantes com os fenômenos que surgem à percepção e não podem de modo algum entrar em contradição com eles. A razão torna-se impossível oferecer razões para aquilo que é evidente à percepção. Ao investigarmos as consequências [de um fenômeno] de acordo com a percepção e, ao constatarmos o seu resultado final, verificamos mais uma vez que ele estava em harmonia com a percepção”.
Fragmentos dos Elementa Harmonica (livros I e II)
El. Harm. I, 8: “Em caso algum, no movimento contínuo a voz aparece à percepção que se mantém em repouso. Assim, de modo nenhum, segundo a percepção, ela estaciona antes de atingir os seus próprios limites. Pelo contrário é levada ininterruptamente até ao silêncio”.
El. Harm. I, 12: “Não podemos deixar de afirmar que a voz permanece imóvel quando a nossa percepção revela que ela não se move nem para o agudo nem para o grave. Em tais circunstâncias nada mais nos resta do que dar um nome a esta característica da voz”.
El. Harm. I, 14: “Na sua progressão para o intervalo mais pequeno, a voz e a percepção mostram-se incapazes de se sintonizarem”.
El. Harm. I,19: “Parecem ser três, pois toda a harmonia com harmonização pode ser diatônica cromática ou enarmônica. Entre eles, o diatônico deve ser considerado o primeiro e o mais antigo, pois foi o primeiro que se ofereceu à natureza humana, o segundo foi o cromático e o terceiro e mais elevado, o enarmônico; a este último só com muito tempo e esforço a percepção se adapta”.
El. Harm. I,90: “Quanto mais tomarmos cada uma das emissões vocais una, estacionária e uniforme, tanto mais rigorosa surge a melodia à percepção”.
El. Harm. II, 32: “A nossa ciência diz respeito em geral a toda a melodia musical, vocal e instrumental. Na sua execução depende de dois agentes: o ouvido e a razão. Por meio do ouvido julgamos a grandeza dos intervalos e por meio da razão teorizamos sobre as suas potencialidades. E necessário criar o hábito de julgar cada coisa com rigor”.
El. Harm. II, 33: “Para o estudioso da ciência musical o rigor da percepção situa-se, na ordem de importância em primeiro lugar. No entanto, se a percepção for deficiente, é-lhe impossível captar a medida exata dos fenômenos que de nenhum modo foram percepcionados”.
El. Harm. II, 34: “Por exemplo, percebemos as diferenças dos genera quando as notas limites permanecem fixas, embora as intermédias sejam móveis”.
El. Harm. II, 35: E necessário não desconhecer que a compreensão da música integra, ao mesmo tempo, o elemento fixo e o móvel e que esta característica a afecta, por assim dizer, na globalidade e em cada uma das suas partes.[...] Em função de ser esta a natureza da música, é indispensável, na melodia harmonizada, habituar a razão e a percepção a julgar com rigor aquilo que se mantém fixo e o que muda.
El. Harm. II, 36: “O geômetra não usa da força da percepção, nem exercita a sua vista a julgar bem ou mal a reta, o círculo, ou qualquer outra figura. [...] Porém, para o músico, o rigor da percepção mantém o primeiro lugar na ordem da importância, pois se ele tiver uma percepção deficiente, não pode descrever bem fenômenos que de modo algum foram percebidos sensorialmente”.
El. Harm. II, 39: “A compreensão da música provém de duas faculdades, que são a percepção e a memória, pois deve perceber-se o som pelo ouvido e recordar-se o que se ouviu”.
El. Harm. II, 42: “Cada um dos instrumentos participa, tanto quanto lhe é possível numa certa organização maravilhosa de que faz parte a natureza da harmonização em geral sob a supervisão da percepção. Da percepção depende essa mesma harmonia, e as restantes matérias relativas à música”.
El. Harm. II, 43: “É evidente, e não necessita de nenhuma explicitação o fato de nenhum instrumento de cordas se harmonizar a si próprio, mas através da percepção”.
El. Harm. II, 44: “[os princípios musicais] devem ter uma natureza, que sobretudo lhes permita o reconhecimento pela percepção sensorial, como uma das partes principais da ciência harmônica. De fato, aquilo que de algum modo requer demonstração é um princípio fundamental”.
El. Harm. II, 48: “É evidente que nenhum destes procedimentos corresponde ao modo de representação da percepção sensível, pois essa distingue os genera enarmônico e cromático, considerando a semelhança com uma única forma, e não a grandeza de um único intervalo”.
El. Harm. II, 55: “A percepção confia muito mais nas grandezas das consonâncias do que das dissonâncias. A forma mais exata de construir um intervalo dissonante será por meio da consonância”.
El. Harm. II, 56: “Deve remeter-se para a percepção a determinação dentro de cada intervalo, dos sons extremos. Se estes soarem em dissonantes a quarta não será evidentemente composta de dois tons e meio. Mas se soarem à concordância de quinta, é claro que a quarta será composta de dois tons e meio”.
Aristóxeno (354-300 a.C.)







