
Política (3ª Ed.). Trad., introdução e notas M. da G. Kury. Brasília: Editora UnB, 1997.
Livro VIII, Caps. I a VII.
Cap. II (1337b; 1338a)
Cap. II (1337b; 1338a)Não é difícil de ver, então, que devem ser ensinados aos jovens os conhecimentos úteis realmente indispensáveis, mas é óbvio que não se lhes deve ensinar todos eles, distinguindo-se as atividades liberais das servis; deve-se transmitir aos jovens, então, apenas os conhecimentos úteis que não tornam vulgares as pessoas que os adquirem. Uma atividade, tanto quanto uma ciência ou arte, deve ser considerada vulgar se seu conhecimento torna o corpo, a alma ou o intelecto de um homem livre inúteis para a posse e a prática das qualidades morais. Eis porque chamamos vulgares todas as artes que pioram as condições naturais do corpo, e as atividades pelas quais se recebem salários; elas absorvem e degradam o espírito. (...)
(...) Pode-se dizer que há quatro ramos de educação atualmente: a gramática, a ginástica, a música, e o quarto segundo alguns é o desenho; a gramática e o desenho são considerados úteis na vida e com muitas aplicações, e se pensa que a dinástica contribui para a bravura; quanto à música, todavia, levantam-se
algumas dúvidas. Com efeito, atualmente a maioria das pessoas a cultiva por prazer, mas aqueles que a incluíram na educação agiram assim porque, como já foi dito muitas vezes, a própria natureza atua no sentido de sermos não somente capazes de ocupar-nos eficientemente de negócios, mas também de nos dedicarmos nobremente ao lazer, pois – voltando mais uma vez ao assunto – este é o princípio de todas as coisas. (...)
(...)Por esta razão os antigos incluíram a música na educação, não por ser necessária (nada há de necessário nela), nem útil no sentido em que escrever e ler são úties aos negócios e à economia doméstica e à aquisição de conhecimentos e às várias atividades da vida em uma cidade, ou como o desenho também parece útil no sentido de tornar-nos melhores juízes das obras dos artistas, nem como nos dedicamos à ginástica, por causa da saúde e da força (não vemos qualquer destas duas resultarem da música); resta-nos portanto, que ela seja útil como uma diversão no tempo de lazer; parece que sua introdução na educação se deve a este circunstância, pois ela é classificada entre as diversões consideradas próprias para os homens livres. (...)
Cap. IV (1339a-1339b)
(...) Levantamos anteriormente, ao longo de nossa exposição, algumas dúvidas a propósito da música: será bom retomá-las agora e levá-las adiante, para fornecer subsídios a quem quiser tratar deste assunto. Não é fácil determinar qual é a influência da música, nem a razão pela qual devemos dedicar-nos a ela – se para passatempo ou relaxamento, como alguém que se entrega ao sono e à bebida (ambos nada têm de sérios em si mesmos, mas são agradáveis e fazem cessar as preocupações, como diz Eurípides; por esta razão a música é classificada juntamente com eles, e todos – sono, bebida e música – são usados de maneiras idêntica, e juntamente com eles se põe a dança.
Ou devemos indagar se a música leva de algum modo às qualidades morais, sendo ela capaz de dar certas qualidades ao caráter (da mesma forma que a ginástica pode dar certas qualidades ao corpo), e acostumando as pessoas a deleitar-se de maneira conveniente? Ou ainda se ela contribui de algum modo para o entretenimento intelectual e para o cultivo do espírito, já que isto deve constituir uma terceira alternativa entre as mencionadas. Não é difícil de ver que não se deve fazer do entretenimento o objetivo da educação dos jovens, pois não se aprende com entretenimentos – ao contrário, o aprendizado requer um esforço. Ademais não é conveniente proporcionar o entretenimento intelectual às crianças até certa idade, pois um fim em si não convém ao que é imperfeito. Talvez se possa imaginar que o entretenimento sério dos meninos se destina apenas a diverti-los quando eles forem homens e chegarem à maturidade, mas se for assim, por que eles mesmos necessitarão deste aprendizado, em vez de participarem dos prazeres e do estudo da música, à maneira dos reis dos persas e dos medos, através da execução por outros? De fato, aqueles que fazem da música uma profissão e uma arte devem necessariamente executá-la melhor do que os que se dedicam a ela somente pelo tempo suficiente para aprendê-la. Se os meninos têm de fazer por si mesmos os estudos da música, então eles deveriam aprender também a arte de preparar os pratos requintados de sua mesa, e isto seria um absurdo.
A mesma dificuldade se apresenta quando se quer saber se o aprendizado da música pode melhorar os costumes dos meninos: por que deveriam eles mesmos aprender a executar a música, em vez de aprender a apreciá-la devidamente e a poder julgá-la quando executada por outros, como fazem os espartanos? Estes, embora não aprendam a executá-la podem julgar corretamente a boa música e a má, segundo dizem. O mesmo argumento se aplica no caso de a música destinar-se a servir de diversão e entretenimento refinados para adultos: por que os próprios ouvintes teriam de aprender a executar a música, em vez de apreciá-la quando executada por outros?
Devemos levar em conta, a propósito, a concepção que temos a respeito dos deuses: os poetas não nos apresentam o próprio Zeus cantando ou tocando a cítara. Podemos até chamar os músicos profissionais de vulgares, e dizer que a execução musical não é própria para o homem livre, a não ser que ele esteja embriagado ou queira divertir-se. Talvez tenhamos de examinar este assunto mais tarde.
Cap. V (1339b; 1340a; 1340b)
Nossa primeira indagação é se a música não deve ser incluída na educação, ou se deve, e em qual dos três tópicos que já discutimos sua eficácia é maior: na educação, na diversão ou no entretenimento. É necessário incluí-la nas três, e ela parece participar da natureza de todo eles. (...) Ora, todos nós afirmamos que a música é uma das coisas mais agradáveis, seja ela apenas instrumental, seja acompanhada de canto (...) de tal forma que também por este motivo se deve supor que a música tem de ser incluída na educação dos jovens. (...)
Quanto à questão de nos dedicarmos à música, não fazemos isto somente por ela mesma; fazemos porque ela é útil ao relaxamento, segundo parece. De qualquer modo é necessário indagar se não se trata simplesmente de um acidente, e se a natureza desta arte não é algo mais importante do que a aparência resultante do uso que se faz dela; independentemente do prazer comunicativo que ela nos faz sentir, perceptível a todos (...), deve-se considerar a influência que ela pode exercer sobre o caráter da alma. Essa influência seria incontestável se existisse realmente na música o poder de afetar de certo modo nosso caráter. (...) Ora: os ritmos e as melodias contém representações de cólera e de doçura, e também de coragem e de moderação e de todos os sentimentos antagônicos e de qualidades morais, correspondentes com mais aproximação à verdadeira natureza destas qualidades (...)
A música, ao contrário, contém realmente em si mesma imitações de afecções do caráter; isto é evidente, pois há diferenças na própria natureza das melodias, de tal forma que as pessoas, ouvindo-as, são afetadas de maneiras diferentes e não têm os mesmos sentimentos em relação a cada uma delas; com efeito, as pessoas ouvem algumas delas num estado de espírito preponderantemente melancólico e grave (por exemplo, o modo musical chamado mixolídio), outras num estado de espírito mais relaxado, intermediário, com maior moderação e calma (...). O mesmo ocorre com relação aos ritmos, pois alguns têm uma natureza mais repousante e outros mais emocionantes, e destes últimos alguns são mais vulgares em seus efeitos emocionais e outros são mais elevados. Destas considerações emerge a evidência de que a música tem o poder de produzir um certo efeito moral na alma, e se ela tem este poder, é óbvio que os jovens devem ser encaminhados para a música e educados nela.
O estudo da música é próprio para esta fase da vida, pois os jovens, por causa da idade, não suportam o que não é adoçado pelo prazer, e a música é naturalmente doce, Parece também haver na harmonia e no ritmo uma certa afinidade com o homem, e por isto muitos entre os filósofos afirmam que a alma é uma harmonia.
Cap. VII (1342a; 1342b)
Rejeitamos, então, a profissionalização no ensino musical e na execução com os instrumentos, e consideramos a execução nas competições como uma atividade profissional, pois o executante não participa das mesma para seu aperfeiçoamento, mas para o prazer de seus ouvintes, e este é um prazer vulgar; por isto não consideramos a execução condizente com a condição de homem livre, mas extremamente subalterna; os executantes se tornam vulgares, uma vez que seu escopo é mau. (...)
Devemos dedicar atenção também às harmonias e aos ritmos, e à questão de definir se para fins educacionais temos de usar todas as harmonias e todos os ritmos ou podemos estabelecer distinções; (...)
Já que aceitamos a classificação das melodias feita por alguns filósofos, ou seja, melodias de efeito moral, de efeitos práticos e inspiradoras de entusiasmo, distribuindo as várias harmonias entre estas classes de melodias como sendo naturalmente afins a uma delas, diremos que o emprego da música não se limita a uma única espécie de utilidade, e que, ao contrário, deve haver muitas. Com efeito, ela pode servir à educação e à catarse (...) e em terceiro lugar ela serve de diversão, atuando como relaxante de nossa tensões e aliviando-as.
Aristóteles – Problemas Musicais. Trad. M. L. Roque. Brasília: Ed. Thesaurus, 2001
Fragm. 38
Porque todos exultam com ritmo e melodia e geralmente com as consonâncias? Será porque normalmente exultamos com os movimentos naturais? Uma prova é o fato de as criancinhas neles se regozijarem. E nos alegramos com certos tipos de canções de acordo com nosso costume. E nos comprazemos com o ritmo por ter um número conhecido e ordenado e por nos mover de modo organizado; pois o movimento organizado nos é por natureza mais familiar que o desordenado e, portanto, mais de acordo com a natureza. Eis então a prova: na verdade, se trabalharmos, bebermos e comermos de maneira ordenada, nós nos preservamos e melhoramos nossa natureza e nossa força, mas, se de maneira desordenada, arruinamos nossa natureza e degeneramos nossa força; pois as doenças do corpo não são movimentos de ordem natural. Então nos comprazemos com a consonância porque é uma mistura de opostos que têm proporção uns com os outros. A proporção é uma mistura de opostos que têm proporção uns com os outros. A proporção é um arranjo ordenado que é, por natureza, agradável. Mas tudo o que é misturado é mais agradável do que o não
misturado, especialmente se, sendo perceptível pelos sentidos, a proporção existente na consonância tiver o valor de ambos os extremos em igualdade.
Fragm. 40
Porque se ouve sobretudo com maior prazer cantar as melodias que já se conhecem do que as que não se conhecem? Será porque é mais óbvio que o cantor assim atinja o objetivo, quando se reconhece o que está sendo cantando? E quando se conhece é agradável assistir. Ou será porque o ouvinte partilha dos mesmos sentimentos com o que canta uma melodia conhecida? Pois canta com ele. E todo aquele que não faz isto por alguma obrigação, canta satisfeito.
Aristóteles (384 a. C. - 322 a. C.)







